samedi 7 mai 2016

Às escuras, sem água e com fartura de doenças

As mortes causadas pela malária este ano em Angola poderão de longe ultrapassar as de 2015 à medida que aumenta a crise de saúde no país, que inclui o pior surto de febre-amarela das últimas décadas, revelou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Angola registou 2.915 mortes por malária nos primeiros três meses deste ano, comparados com 8.000 durante todo o ano de 2015 e 5.500 no ano anterior, disse a OMS à Reuters.


Este novo surto de malária devastou todo o país, mesmo nas províncias com tradição de baixa taxa de prevalência da doença estamos a observar um grande aumento de casos,” disse o representante da OMS, em Angola, Hernando Agudelo Ospina.

Ele explicou que o lixo não removido em Luanda por causa de cortes orçamentais do governo e uma queda excepcional de chuvas contribuem para o aumento de casos de malária, febre-amarela e diarreias crónicas.

Um surto de febre-amarela já matou pelo menos 225 pessoas em Angola e 21 na República Democrática do Congo (RDC), segundo dados das duas últimas semanas. A OMS alertou que esta epidemia representa uma ameaça global.

Recorde-se que apenas 7,7% do Orçamento Geral do Estado é para a saúde, três vezes menos que a Segurança e Defesa, sendo esta a percentagem mais baixa da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, segundo dados da OMS de 2013.

A agudização da propagação da malária em Angola está em contraciclo com o que tem acontecido na região. Desde o início do século, o combate à malária – que continua a ser uma das doenças mais mortíferas no continente africano – conseguiu reduzir em 42% o número de casos de contracção do parasita e cerca de 66% a taxa de mortalidade, de acordo com a OMS.

O surto de febre-amarela também está a preocupar. Cerca de 500 pessoas foram infectadas e 225 morreram desde que os primeiros casos foram registados em Dezembro. A epidemia já se propagou à República Democrática do Congo, onde 21 pessoas morreram.

A directora-geral da OMS, Margaret Chan, declarou que “este é o mais grave surto de febre-amarela que Angola enfrentou nos últimos 30 anos”, durante uma visita ao país este mês. Para conter a doença, as autoridades angolanas estenderam recentemente uma campanha de vacinação às províncias de Benguela e Huambo, para além da capital.
O orçamento angolano foi reduzido, as dívidas estão em crescimento, e a moeda depreciou este ano enquanto baixam os preços do petróleo, o que afecta o segundo pais maior produtor de petróleo em África, dizem os peritos.
Às escuras e sem água.

Como é que isto é possível? Vejamos. Mais de metade dos cerca de 5,5 milhões de agregados familiares de Angola, um país que é um dos maiores produtores africanos de petróleo e tem como Presidente da República o mesmo cidadão desde 1979, não têm acesso a água “apropriada” para beber e 31,6% têm nas lanternas a forma de iluminação.

As conclusões resultam da análise aos números do censo angolano, realizado em 2014, mas cujos milhares de dados definitivos só foram divulgados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano.

O levantamento entende por água “apropriada para beber” a proveniente de fontes como torneiras ligadas à rede pública, chafarizes públicos, furos com bomba ou nascentes protegidas, incluindo-se neste grupo 43,6% dos agregados familiares.

A disparidade faz-se sentir entre o meio urbano e o rural, em que respectivamente 57,2% (1,9 milhões de famílias) e 22,4% (484 mil famílias) conseguem consumir água tida como segura.

Ainda assim, a água da rede pública com torneira em casa apenas serve 17% dos 5.544.834 de agregados familiares (num total de população superior a 25,7 milhões de habitantes).

Cabinda surge como a província angolana com o melhor nível de acesso a água segura (73% das famílias), enquanto o Cunene, no Sul, apresenta o pior registo: 23,3% dos agregados familiares.

Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, com praticamente 1,8 milhões de barris de crude por dia, recursos que segundo o Governo do MPLA (no poder há 40 anos) têm sido utilizados na reconstrução do país após quase três décadas de guerra civil, que terminou há 14 anos (4 de Abril de 2002).

Com um forte défice de produção de electricidade, face às necessidades, o que leva a constantes constrangimentos no fornecimento, Angola encara ainda a inexistência de redes para abastecer as zonas mais rurais.

O censo refere que o acesso à rede de electricidade é apenas garantido a 1,7 milhões de casas (31,9%), quase exclusivamente em zonas urbanas, já que na área rural apenas 48.173 agregados familiares são servidos.
O estudo identifica que praticamente ao nível da rede eléctrica nacional (essencialmente nos grandes centros), as lanternas são a segundo principal fonte de iluminação. Servem mais de 1,752 milhões de famílias (31,6%) em Angola. Seguem-se em alternativa os candeeiros (14,3%) e os geradores (9,3%).

Já no saneamento básico – que o estudo considera como sendo a presença em casa de sanitas, pias ou com instalações ligadas a fossas sépticas e latrinas – chegará, segundo o primeiro censo realizado em Angola desde a independência, a 60% das famílias, novamente com uma forte disparada entre urbano e rural: respectivamente 81,8% (2,7 milhões de agregados) e 25,9% (559 mil).

Contudo, apenas 1,22% das famílias que moram no meio rural tinham uma sanita ligada à rede pública de esgotos, enquanto nas cidades esse registo sobe para 6%.
Promessas metem água.

Quarenta anos depois da independência, 14 anos depois de alcançada a paz, o Governo diz que quer duplicar o abastecimento de água a Luanda, província com mais de 6,5 milhões de habitantes, e levar a água potável a mais 1,5 milhões de pessoas que moram em áreas rurais até 2017.
As metas foram reforçadas pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, nas comemorações do Dia Mundial da Água, 22 de Março, sendo a falta de acesso a água potável por parte das populações mais carenciadas uma das maiores dificuldades em Angola, estando na origem da propagação de várias doenças.

O sector da energia e águas deverá absorver quase metade da linha de crédito que a China concedeu a Angola para obras a realizar por empresas obviamente chinesas no país, alocando 2.174.238.412 dólares para 34 projectos que arrancam já este ano.

De acordo com informação do ministro João Baptista Borges, foram entretanto feitos investimentos na construção de novos sistemas de abastecimento de água nas capitais de 14 das 18 províncias, estando em conclusão obras nas cidades do Namibe e do Sumbe.

“E temos a situação de Luanda, que é a grande prioridade, onde é necessário duplicarmos a capacidade de abastecimento”, sublinhou o ministro.

Para garantir este objectivo para a capital, o Governo pretende colocar em funcionamento, a “curto ou médio prazo”, os dois novos sistemas de abastecimento de água do Quilonga e do Bita, obras que, como tantas outras promessas, continuam a derrapar no tempo e que chegaram a ser anunciadas para 2014.

“Vão permitir adicionar mais 500 mil metros cúbicos [por dia] a Luanda”, enfatizou João Baptista Borges.
Outra das metas anunciadas pelo executivo passa por levar o Programa Água para Todos (PAT), de abastecimento às populações rurais, a mais de cinco milhões de pessoas até final do 2017, num investimento global que ronda 1,5 mil milhões de euros.

“É um programa de grande visibilidade e que promove o acesso à água no meio rural. Há esse esforço grande”, sublinhou o governante.

A execução deste programa ultrapassou no terceiro trimestre de 2015 os 3,5 milhões de habitantes com acesso a abastecimento de água em áreas rurais, segundo dados do Ministério da Energia e Águas.

Contudo, conforme objectivo do próprio programa estatal, para que se atinja a taxa de cobertura de 80% da população rural – estimada em quase sete milhões – ainda deverão ser beneficiados cerca de 1.576.815 habitantes.

Segundo os dados oficiais de Setembro, 3.536.451 habitantes em zonas rurais tinham acesso a água, de uma meta estipulada em 5.113.265 pessoas a servir até 2017.
Desde 2007, ao abrigo deste programa, foram construídos 3.035 pontos de água – que correspondem a um sistema em que a recolha de água é efectuada na origem, servindo de chafariz ou lavandaria -, e com mais 395 em execução em todo o país.

Acrescem ainda 923 pequenos sistemas de água – incluem captação superficial, tratamento e abastecimento a mais do que um chafariz – construídos desde 2007 e mais 279 em execução.

Em Setembro do ano passado, o Governo anunciou que pretendia procurar reservatórios de água subterrâneos em zonas desérticas para minimizar os efeitos dos sucessivos ciclos de estiagem que têm afectado sobretudo o sul do país.
A posição foi assumida pelo ministro João Baptista Borges na 59ª sessão da conferência geral da Agência Internacional de Energia Atómica, que decorreu em Viena, na Áustria.
“Angola enfrenta também problemas geológicos, como a erosão dos solos e períodos cíclicos de estiagem nas áreas desérticas do país”, apontou o governante na sua intervenção naquela reunião.

João Baptista Borges admitiu igualmente a necessidade de obter “apoio em assistência técnica” por parte daquela agência, “com vista à redução da erosão dos solos”, nomeadamente ravinas, e também na “pesquisa de lençóis de água subterrâneos em áreas desérticas”.

A estiagem no sul de Angola tem vindo a agravar-se desde 2011, com o Governo a ter de distribuir alimentos, devido à destruição de culturas pela seca, e a realizar captações alternativas de água, para apoiar a população.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) considerou em Junho de 2015 que é provável que a malnutrição aguda em Angola tenha aumentado nos últimos três anos devido à estiagem em algumas províncias.
Em Julho de 2015, só no Cunene, o Governo tinha identificado 755.678 pessoas afectadas pela seca que assola aquela província no sul, bem como 508.483 cabeças de gado que corriam o risco de morrer em consequência da situação.

Na mesma província foi noticiado o caso do município do Curoca, em que mais de 40 mil pessoas necessitavam de ajuda alimentar e de água devido à seca, com a população a recorrer a apoio na vizinha Namíbia.

A situação em África

Perto de 750 milhões de pessoas continuam sem acesso a água potável, “sobretudo os pobres e marginalizados”, apesar dos progressos registados nos últimos anos, alerta a Unicef.

“A água é a própria essência da vida e, contudo, três quartos de mil milhões de pessoas — sobretudo os pobres e os marginalizados — continuam a ser privados deste direito humano básico”, afirmou Sanjay Wijesekera, responsável pelos programas globais da Unicef para a Água, Saneamento e Higiene, citado num comunicado do Fundo das Nações Unidas para a Infância.

Segundo o texto, desde 1990, “cerca de 2,3 mil milhões de pessoas passaram a ter acesso a fontes melhoradas de água para beber” e “a meta dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio de reduzir para metade a percentagem da população global que não tinha acesso até então foi alcançada cinco anos antes do prazo de 2015″.

“Actualmente, são apenas três os países onde mais de metade da população não tem acesso a água potável melhorada: a República Democrática do Congo, Moçambique e Papua Nova Guiné”, adianta o comunicado.
Dos 748 milhões sem acesso a água potável, 90% vivem em zonas rurais e 325 milhões (dois em cada cinco) vivem na África Subsaariana, 112 milhões na China e 92 milhões na Índia.

“Para as crianças, a falta de acesso a água segura pode ter consequências trágicas”, assinala a UNICEF, adiantando que “em média, perto de mil crianças morrem por dia devido a doenças diarreicas relacionadas com água imprópria para beber, saneamento precário ou pouca higiene”.


O Dia Mundial da Água, que se celebra desde 1994, é assinalado no dia 22 de Março, chamando a atenção para a necessidade de preservar este importante recurso natural.

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