jeudi 12 mai 2016

O Tétrico Negócio da Morgue do Hospital Regional de Cafunfo

Rafael Marques de Morais, 5 de Maio de 2016

“Os doentes não pagam. Só os mortos, para serem conservados por um ou dois dias na morgue”, explica um responsável do Hospital Regional de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda-Norte.

Apesar de ser a zona mais rica de Angola, em termos de exploração aluvial de diamantes, a extrema pobreza na região atingiu também a administração local, que se vê obrigada a cobrar dinheiro pela conservação de cadáveres na morgue do hospital público.

Zinha de Castro, de 40 anos, faleceu na madrugada de 4 de Maio. Justino Pedro, o seu ex-marido, informa o Maka Angola de que ela morreu de febre-amarela. “Tivemos de comprar um tambor de gasóleo [200 litros] por 35 mil kwanzas [US $212 ao câmbio oficial], para conservar o corpo dela na morgue do hospital. Entregámos ao chefe do património, Simão Jonas”, relata Justino Pedro, afirmando ainda que a epidemia de febre-amarela, em Cafunfo continua a espalhar-se pelas comunidades.

“Por dia, estamos a enterrar mais de dez pessoas. Por falta de vacinas, de uma seringa ou de uma aspirina no hospital, as pessoas estão a usar folhas de mamoeiro, mangueira, abacateiro ou laranjeira, ou outras folhas para tentarem tratar a doença”, lamenta.


O entrevistado refere ainda que foi interrompida a rotina dos cidadãos em recorrerem à vizinha República Democrática do Congo para tratamento. “Os angolanos estão a ser impedidos de entrar na RDC, por causa da epidemia de febre-amarela. Eles não querem que espalhemos lá a doença.”

Fonte hospitalar que prefere o anonimato revela “que os médicos negam que haja uma epidemia de febre-amarela aqui. Mas nós verificamos todos os sintomas a olho nu e as muitas mortes diárias que tem causado”.

A mesma pessoa revela: “Não fazemos diagnósticos no hospital, porque não temos sequer seringas, luvas, algodão. Já nem sequer falamos em medicamentos.” O hospital dispõe apenas de um técnico de laboratório.

Aos 16 anos de idade, Cecília Matias faleceu, em Cafunfo, vítima de febre-amarela. “Comprámos dois tambores [de 200 litros cada] de gasóleo nas bombas, por 64 mil kwanzas [US $387 ao câmbio oficial], para conservar o corpo da Cecília durante dois dias na morgue”, explica Madalena Matias, uma tia da vítima. “Fomos informados pela direcção do hospital de que não há combustível. Um dos responsáveis do hospital fez-nos a cobrança directamente e instruiu o mecânico para receber os dois tambores de combustível como pagamento, para abastecer o gerador.”

Madalena Matias prossegue: “Tivemos de pagar mais 10 mil kwanzas ao segurança da morgue para garantir que a gaveta está a funcionar bem. As outras [cinco gavetas] não funcionam em condições e os corpos saem de lá a cheirar.”
Em média, de acordo com fontes hospitalares, a morgue recebe diariamente entre três a cinco cadáveres. Todas as famílias têm de pagar, ou em combustível, ou o valor monetário equivalente a 200 litros de combustível.

Eduardo Muatxivumbi pagou 30 mil kwanzas pela conservação, durante apenas uma noite, do corpo do sobrinho André Silva, de 21 anos. “Eu paguei na secretaria da direcção do hospital, onde se fazem os pagamentos. Não passam factura. Paga-se e a seguir coloca-se o corpo na morgue”, afirma o tio.

Eduardo Muatxivumbi denuncia também a cobrança oficial de 2000 kwanzas para a emissão de uma certidão de óbito. “Ficámos frustrados com tantas cobranças, e já não pagámos pela certidão de óbito. Enterrámos o André Silva mesmo assim”, lamenta.

E para as famílias sem recursos? “Quem não tem dinheiro, tem de enterrar logo o corpo. Sem pagamento não há lugar na morgue”, adianta o activista local Salvador Fragoso.

O responsável, que prefere não ser identificado pelo nome, confirma: “É verdade. Por falta de energia na localidade, o governo deu-nos um gerador, mas não fornece combustível. Por isso, pedimos às famílias para comparticiparem na conservação dos cadáveres dos seus entes queridos.”.
Uma vez que o combustível abastece o hospital no seu todo, e ainda as residências da administração local e outros beneficiários vizinhos, o responsável justifica as razões para a discriminação entre mortos e pacientes.

“O gerador só funciona à noite, das 18h00 às 23h00, e, depois, para a remoção dos corpos, entre as 4h00 e as 8h00. Durante o dia usamos a luz natural para tratar os pacientes. Os médicos têm arriscado operações mesmo sem energia”, revela a fonte hospitalar.

O Hospital Regional de Cafunfo dispõe de cinco médicos norte-coreanos e um angolano, e dá assistência aos municípios do Cuango, Caungula, Xá-Muteba, Lubalo, Capenda-Camulemba e Cuilo. Oficialmente, o hospital atende uma população de mais de 324 mil habitantes, correspondente ao total dos seis municípios. Estes números indicam a existência de um médico por cada 54 mil habitantes.

De forma peremptória, os funcionários hospitalares entrevistados corroboram a ideia de que “o hospital é regional de nome apenas”. Como agravante, referem que os funcionários em regime de contrato têm os salários em atraso desde Fevereiro, e que os funcionários efectivos não receberam o salário de Abril..

Contactada por Maka Angola, Angélica Kaumba Sassão, a administradora municipal do Cuango,  manifesta-se surpreendida diante da informação de que são exigidos pagamentos aos familiares dos mortos para uso da morgue. “Eu não tenho conhecimento. Deve ser um trabalhador que o faz sem o conhecimento da direcção”, remata.

Quanto à denúncia dos familiares de que os pagamentos são feitos na secretaria da direcção do hospital, Angélica Kaumba Sassão afirma: “Não tenho essa informação. Há 15 dias, enviámos combustível para abastecer o gerador. Para mim é uma surpresa.”

A administradora garante que irá questionar o director do hospital acerca dos referidos pagamentos.

Todavia, o mesmo gerador também tem sido usado para fornecer energia eléctrica à vizinhança, nomeadamente às residências da administração municipal, do secretário do MPLA, comandante da Polícia Nacional, procurador, entre outros responsáveis locais. De igual modo, providencia energia à Escola Deolinda Rodrigues.


Há qualquer coisa aqui que não está a bater certo.

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