Luanda - DEBATE SOBRE “PROCESSOS ELEITORAIS: TRANSPARÊNCIA E
ESTABILIDADE”
I- SÍNTESE DO PROBLEMA
Por proposta do Grupo
Parlamentar da UNITA, debatemos hoje os Processos Eleitorais, olhando para a
sua Transparência que pode assegurar a estabilidade desejada no país, bem como
a falta dessa transparência que, a exemplo do que, infelizmente, tem vindo a acontecer
noutros países do nosso continente e não só, pode levar o país à desgraça de
uma instabilidade de consequências sempre nefastas e imprevisíveis.
O Artigo 4º da Constituição da República de Angola, sobre os
“Princípios Fundamentais”, e com a epígrafe “Exercício do poder político”, diz
claramente, no seu nº 1, que, e eu vou citar, “o poder político é exercido por
quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente
exercido, nos termos da Constituição e da lei” – fim de citação. “Livre e
democraticamente exercido”.
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O nº 2 precisará que,
e volto a citar “são ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício
do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não
previstas nem conformes com a Constituição” – fim de citação. A Constituição
está a dizer, claramente, que o recurso a métodos fraudulentos de tomada e
exercício do poder, quaisquer que sejam, constituem crime. Noutros termos, quem
ganha uma eleição deve ganhar porque o voto livre dos cidadãos angolanos assim
o determinou, e não por engenharias administrativas e informáticos feitas num
gabinete qualquer, com a ajuda de quem quer que seja.
II- HISTÓRIA ELEITORAL ANGOLANA
Na sequência do golpe
de Estado de 25 de Abril de 1975, em Portugal, que abriu caminho para a
independência das então colónias portugueses, Angola falhou a sua primeira
oportunidade de organizar um processo eleitoral livre e justo, que deveria
conduzir ou a FNLA, ou o MPLA ou a UNITA ao poder, legitimamente tomado e
exercido, nos marcos democráticos. Tal não aconteceu porque, nessa altura, as
opções seriam ditadas por preferências partilhadas entre o chamado “comunismo”,
de inspiração soviética, e o capitalismo, de tendência ocidental. O poder foi
tomado, assumido e exercido sem qualquer legitimidade, de 1975 a 1992. O Povo
angolano não escolheu, de modo nenhum, quem deveria dirigir os seus destinos. O
poder foi tomado de assalto, agrade ou não esse termo.
Assim, desde a proclamação da
sua independência, Angola organizou três processos eleitorais: sendo o primeiro
em 1992, o segundo em 2008 e o terceiro em 2012. Com muita
tristeza temos de reconhecer que nenhum deles foi justo muito menos
transparente. Dentro de relativamente pouco tempo, o país vai conhecer o seu
quarto processo eleitoral, aprazado para 2017, altura em que termina o mandato
constitucional do Presidente José Eduardo dos Santos.
Na busca de eleições
transparentes, que proclamem, enfim, uma justa escolha dos cidadãos angolanos,
importa fazer aqui uma breve retrospectiva factual sobre o que foram os pleitos
eleitorais de 1992, 2008 e 2012, antes de olharmos para os desafios e as
ameaças que espreitam a organização das eleições de 2017.
Uma análise
comparativa dos três processos eleitorais já realizados permite estabelecer a
relação necessária entre a estabilidade do regime democrático, a
competitividade das eleições e a alternância ideológica do poder político,
permitindo, igualmente, ver como as instituições democráticas angolanas têm
sido subvertidas, as regras de jogo sempre viciadas e os resultados eleitorais
pré-ordenados. Permite, por outro lado, ver também em que medida o binómio
poder/riqueza se tem constituído num sério obstáculo à transparência dos
processos eleitorais e à efectiva democratização do país.
Para que as eleições
cumpram a condição de jogo interativo, os actores políticos devem aderir à
democracia, o que implica aceitar uma eventual derrota nas eleições. Segundo
Adam Przeworski, quem quer que seja o vencedor hoje, não pode utilizar o cargo
para impedir que as forças políticas adversárias vençam na próxima ocasião. Ou
seja, não pode subverter o sistema democrático para passar por cima dos seus
resultados. Ora, muito infelizmente, esta tem sido a conduta do poder em
Angola, desde o início da transição constitucional para a democracia, negociada
em Bicesse, Portugal, em 1991.
Eleições de 1992
Para se compreender o
processo de radicalização dos actores políticos no contexto das eleições de
1992, importa recordar alguns aspectos do contexto daquela disputa eleitoral:
Na sequência do fim da guerra
fria, em Angola houve uma solução negociada do conflito internacional que
envolvia o País, havia 16 anos. Esta solução incluía a fusão de dois exércitos
e a realização de eleições “democráticas” em 16 meses, sem, contudo, existirem
ainda instituições democráticas. Essas eleições, realizadas nos dias 29 e 30 de
Setembro do citado ano, polarizaram o espaço político entre as duas forças
políticas que protagonizaram o conflito militar e seus aliados .
A campanha eleitoral
foi intensa, o povo participou massivamente e votou com civismo, numa eleição
que se revelou competitiva e que foi realizada num ambiente de baixa
estabilidade.
Não houve cadernos
eleitorais e, como foi revelado mais tarde, os acessos aos códigos de segurança
do programa informático que fazia a tabulação dos resultados, estavam viciados.
De tal forma viciados, que qualquer técnico do Conselho Nacional Eleitoral tinha
acesso ao programa e podia alterar o resultado da eleição, sem deixar rasto.
Mas, apesar de os
resultados daquelas eleições terem sido aceites, em 15 de Outubro de 1992, em
carta dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, mesmo se “reconhecidamente
fraudulentas e irregulares”; aceitação reiterada a 17 de Novembro, em carta
endereçada ao Senhor Marrack Goulding, Secretário-Geral Adjunto das Nações
Unidas para as Operações de Manutenção da Paz, “a fim de dar seguimento ao
processo de paz acordado em Bicesse”, a verdade é que essa segunda volta nunca
viria a ter lugar.
O conflito reacendeu, os factos foram
deturpados e fez-se circular a versão segundo a qual, o conflito reacendeu
porque o Dr. Savimbi “havia rejeitado” os resultados eleitorais.
Anos
mais tarde, a firma norte-americana Kenotek, LLC. procedeu a uma revisão dos
programas fontes, da arquitectura do sistema e das aplicações informáticas que
serviram de base para a tabulação dos resultados eleitorais de 1992 e concluíu
que:
? o desenho da
arquitectura do sistema utilizado e seus mecanismos de segurança não foram
concebidos de acordo com os padrões da indústria;
? O sistema utilizado
era bastante vulnerável a erros, modificações arbitrárias e corrupção, sem
deixar rasto;
? Os seus resultados
não podiam ser credíveis porque manipuláveis;
? O arquivo designado
Reppre.prg tinha sido utilizado para substituir os resultados apurados nas
eleições presidenciais por outros. Para o efeito, tinham sido utilizados
valores externos por via do programa “MPxx”. A Comissão Eleitoral tinha-se
recusado a partilhar ou mostrar o conteúdo desse programa que foi crucial na
fabricação da vitória atribuída ao MPLA;
? O arquivo VV1.dbf
continha mais 1.114 dados do que o arquivo “votos.dbf”. Evidenciando que mais
dados tinham sido adicionados ao sistema apenas para baralhar qualquer
investigação dos resultados.
? O arquivo
“Votos.dbf” continha os dados eleitorais. As colunas com os números dos votos
não tinham os nomes dos candidatos associados a eles e a única maneira de a CNE
associar o MP8 e o MP11 a alguém seria por via de um programa específico, por
ela concebido. Isto significa que o funcionário da CNE poderia incluir qualquer
nome, até o seu, e atribuir-lhe o número de votos que quisesse. Qualquer
pessoa, real ou imaginária, poderia ser declarada vencedora da eleição, o que
constituía uma ruptura séria na integridade do processo eleitoral.
Eleições de 2008
Nas eleições de 2008,
o contexto político foi outro. A
paz militar definitiva tinha sido alcançada, havia já seis anos, e o líder
fundador da UNITA já não estava vivo. Foi descalçada calma e claramente a luva
da democracia e assumida a postura do autoritarismo, pisoteando a liberdade de
expressão, atrofiando o pluralismo político, partidarizando os órgãos de
comunicação social públicos, organizando actos de intolerância e violência
política contra a UNITA e institucionalizando o terror e a corrupção. Estava
restaurado, na prática, o regime ‘totalitário de Partido único’ e a sua máquina
propagandística contra as liberdades democráticas. Não ficaram apenas por aqui.
Esvaziaram as competências da Comissão Nacional Eleitoral e comprometeram a sua
independência.
Este
órgão, formalmente independente, deixou de ser responsável pela execução dos
actos materiais de registo eleitoral e pela produção dos cadernos eleitorais.
Deixou de ter também uma composição equilibrada como garantia da sua
imparcialidade e independência.
O poder judicial
havia afirmado, em Acórdão, que os mandatos anteriores do Presidente Eduardo
dos Santos não contavam e que, a partir daquele ano, o Presidente do MPLA se
quisesse, estava livre para concorrer à eleição e exercer o seu primeiro
mandato como Presidente da República.
As eleições
legislativas viriam a ser claramente manipuladas para obter uma maioria
qualificada sem precedentes de 82%, enquanto o Presidente José Eduardo dos
Santos ignorava a Constituição e não convocava as eleições presidenciais,
entretanto prometidas para 2009.
Portanto, o quadro
político em que se realizaram as eleições de 2008 foi de alta estabilidade
política, mas de baixa competitividade eleitoral.
E que atitude teve a
UNITA?
A UNITA foi alvo de
forte pressão popular para não aceitar os resultados das eleições e não
integrar as instituições delas resultantes. Porém, para preservar o clima de
Paz e de estabilidade, a Direcção da UNITA optou por “engolir sapos” e aceitar
os resultados de mais essa eleição claramente fraudulenta.
Eleições de 2012
As eleições de 2012
não fugiram à regra, relativamente à fraudulência do processo. De 2008 a 2012,
Angola foi sendo uma república com cada vez menos republicanismo, com o Estado
a ser cada vez mais violador dos direitos fundamentais dos cidadãos e promotor
da institucionalização da endemia da corrupção. Aumentaram vertiginosamente as
desigualdades sociais. O enriquecimento injustificado dos detentores do poder
público começou a tornar-se uma verdadeira ameaça à paz social. O Presidente da
República abandonou a política de compromisso, radicalizou as suas posições e
enveredou pela violação grosseira das regras democráticas, ainda na preparação
do processo eleitoral de 2012. A UNITA documentou as violações, denunciou-as
publicamente e perante a Comissão Nacional Eleitoral, mas sem resultados.
O povo protestou em
massa contra tais violações e, sob convocação da UNITA, em Maio de 2012, mais
de um milhão de pessoas aderiu à manifestação realizada em simultâneo, em todas
as províncias do país. As eleições de 2012 foram, por isso, de alta competitividade
realizadas num ambiente de baixa estabilidade política.
A fraude eleitoral
orquestrada em 2012 foi um processo complexo bem planeado, executado durante
cerca de dois anos, que envolveu actos ilícitos declarados, puníveis pela lei
penal. Por isso, foi objecto de uma queixa-crime apresentada junto do
Procurador Geral da República, em 11 de Março de 2013, suportada por 123 provas
documentais e pela identificação de 57 individualidades que se declararam
disponíveis para prestar declarações e fornecer provas adicionais para apoiar a
investigação.
Com efeito, foi criada,
equipada e financiada, com o erário público, uma estrutura paramilitar
clandestina que organizou, conduziu e executou as operações de falsificação de
documentos eleitorais, fraudes com boletins de voto, fraudes com cadernos
eleitorais, fraudes com actas das assembleias eleitorais, e de sabotagem do
sistema de apuramento e transmissão dos resultados eleitorais, tudo com o
objectivo de impedir o exercício da soberania popular e permitir que o
Presidente tomasse e exercesse o poder político por formas não previstas nem
conformes com a Constituição.
A UNITA informou em
detalhe, a forma dolosa como os actos foram planeados e executados como sendo,
entre outros,
• a utilização, para o apuramento final da vontade soberana
do povo, de documentos eleitorais inválidos, distintos daqueles onde tal
vontade foi inicialmente manifesta, e que foram preenchidos e assinados nas
mesas de voto pelos agentes eleitorais oficiais;
• a utilização de actas falsas, com resultados falsos,
pré-ordenados;
• Nunca foram publicados os cadernos eleitorais;
• Nunca foram publicados os resultados por mesa;
• Os resultados que foram lidos e atribuídos aos partidos
políticos não foram os apurados nas mesas;
• As actas que serviram de base para o anúncio oficial dos
resultados, de cor branca, não foram as actas oficiais, cor de rosa,
estabelecidas por lei e assinadas pelos representantes dos partidos políticos;
para citar apenas estes.
O relatório da CNE
relativo ao ano de 2012, que nos poderia dar a visão desse órgão sobre como
correram e decorreram as eleições, nesse ano, não chegou às mãos das forças
políticas na oposição, ficando por saber as razões de tal atitude.
A preparação das
eleições de 2017
Contrariando o
disposto nos artigo 107º e 117º da Constituição da República, com os votos
únicos dos deputados do MPLA, esta Assembleia Nacional aprovou recentemente uma
proposta de lei do registo eleitoral que retira da CNE e atribui ao Executivo a
competência de organizar e executar o registo eleitoral, decidindo, assim, quem
pode ou não votar, sob pretexto de que “Registo Eleitoral” não é “matéria
eleitoral”. Pretende-se, claramente, construir uma nova base de dados do
registo eleitoral para ser utilizada nas eleições gerais de 2017, que deverá
excluir os angolanos residentes no estrangeiro, manter activos por um período
de vinte anos o registo dos cidadãos já falecidos. O registo vai – e está já a
ser feito – nas Administrações Municipais, que são, como ninguém ignora, órgãos
partidarizados da administração central do estado, subordinados, portanto, ao
Titular do Poder Executivo.
Além de
inconstitucional, essa lei ofende o princípio da transparência e propicia a
estruturação da fraude eleitoral, porque não permite a fiscalização da base de
dados que o Executivo vai criar.
A UNITA tem vindo a alertar que essas manobras , de clara
falta de transparência nos processos eleitorais, estão na base da grande e
grave instabilidade política que vêm vivendo alguns países do nosso continente,
como foi o caso Costa do Marfim, do Burkina Faso, República Democrática do
Congo e, presentemente, o Burundi, para citar apenas estes. Nenhum angolano
quer esse tipo de situações no nosso país. É preciso, no entanto, assumir o
facto de que Angola e os angolanos não têm condições para suportar uma nova fraude
eleitoral.
Podemos fazer as
coisas com lisura e transparência? Claro que podemos! Aliás, isso até é
recomendável, além de ser uma necessidade imperiosa. Se queremos todos
estabilidade no país, ajamos todos com transparência. O contrário poderá perigar
a estabilidade em Angola.