Rafael Marques de Morais, 8 de Agosto de 2015
Deolinda Luís (à esq.), mãe de Benedito Jeremias, espancada
pela polícia e mordida por um cão.
O activista David Salei encontra-se internado, em estado de
saúde delicado, no Hospital Américo Boavida, devido aos espancamentos que
sofreu durante a repressão policial, hoje,
da marcha das mães e dos familiares dos 15 presos políticos.
Paulo Paixão explicou ao Maka Angola que David Salei “foi
brutalmente pontapeado nas costelas e no abdómen, e apanhou com vários
porretes. Ele está muito mal, não consegue falar em condições e tem a perna
direita paralisada”.
David Salei, está hospitalizado devido à brutalidade
policial.
“Eu apanhei dois porretes nas costas, mas consegui fugir”,
relatou Paulo Paixão.
A irmã mais velha do
preso político Fernando Tomás “Nicola Radical” foi arrastada por um cão largado
pelas forças policiais contra os manifestantes. O animal mordeu o pano que ela trazia vestido,
puxou-a, e embateu num ferro, desmaiando em seguida. A polícia evacuou-a do local. Sara João Manuel,
esposa de "Nicola Radical", também foi atingida com várias bastonadas
desferidas pela polícia. Desconhece-se, até momento o paradeiro de ambas.
Deolinda Luís, mãe do preso político Benedito Jeremias, foi
espancada na região do baixo ventre pelo bastão de um agente da Polícia
Nacional, e acabou caída. Um outro agente policial, da brigada canina, soltou o
cão contra Deolinda Luís, que foi mordida na mão direita. Sangrava e
queixava-se de dores. Os comandantes da
polícia impediram, na altura, que fosse assistida, para ocultarem provas
evidentes da sua própria brutalidade. Estes foram os casos mais notórios da
repressão violenta contra a marcha pacífica das mães e dos familiares dos 15
presos políticos.
Pouco depois das 14h00, no Largo da Independência, mais de
50 pessoas, empunhando alguns cartazas, iniciaram a marcha e, seguindo sempre
pelo passeio, prosseguiram pela Alameda Manuel Van-Dúnem. “Liberdade Já",
"Libertem os Nossos Filhos", "Libertem os Nossos 15" eram
as palavras de ordem dos manifestantes. Os apelos foram subindo de tom, de
energia e de nervosismo, à medida que a polícia apertava o cerco.
O aparato policial, inicialmente discreto, revelou-se em
poucos minutos desproporcional, face ao pequeno número de manifestantes.
Na Avenida Comandante Valódia, a pouco mais de um quilómetro
do ponto de partida, os vários comandantes e oficiais dos serviços de segurança
presentes no local ordenaram a carga policial contra os manifestantes. As mães
presentes não foram poupadas.
Do outro lado da barricada, antes do início da marcha, em
concertação com as entidades policiais, Leonor João, mãe de Afonso Matias
"Mbanza Hamza", tentava a todo o custo dissuadir as outras mães de prosseguirem
com a marcha. Propunha, como alternativa, que obedecessem às ordens, segundo
ela, do Comando-Geral da Polícia Nacional, para que os manifestantes se
dirigissem ao Cemitério da Santana, no
sentido contrário da marcha, onde, com certa ironia, as autoridades diziam ter
colocado um dispositivo policial para "proteger" os manifestantes.
A irmã do preso politico Arante Kivuvu, Lídia Kivuvu, de 23
anos, afirmou ao Maka Angola que não é possível conversar com a polícia, porque
“têm muito mau comportamento”. Os
agentes policiais feriram a jovem com duas bastonadas na perna direita, durante
a repressão contra os manifestantes.
“Nós não ofendemos
ninguém. Gritávamos apenas pela liberdade dos nossos filhos e irmãos. A forma
como nos bateram é um caso grave de violência contra as mulheres”, afirmou a
jovem.
Ontem, Adália
Chivonde (mãe de Nito Alves), Gertrudes Dala (irmã de Nuno Álvaro Dala) e
Leonor João (mãe de Mbanza Hamza), encontraram-se, em separado, com o
vice-procurador-geral da República e com o comandante-geral da Polícia
Nacional, o comissário-chefe Ambrósio de Lemos. Nestes encontros, tendo
transmitido a intenção de realizar a marcha, obtiveram, segundo Gertrudes Dala,
uma reacção de “boa vontade das autoridades”.
“Sobre a marcha, o
comandante Ambrósio de Lemos disse-nos que "não é ninguém e não tem como
decidir sobre o assunto. Disse-nos que cabia a nós a decisão de defender os
nossos familiares. Depois disso, é lamentável que nos tenha mandado bater e
soltar os cães contra nós”, prosseguiu Gertrudes Dala.
O activista Raúl Mandela, que promoveu o encontro das
autoridades com as cidadãs acima referidas, não foi poupado, apesar do seu
papel de intermediário junto das mães.
A polícia assestou-lhe golpes de bastão, e Mandela queixa-se
de fortes dores de cabeça.
A mãe de Nito Alves,
Adália Chivonde, apanhou uma bastonada na perna que a deixou prostrada no
próprio local. “Fiquei ali mesmo onde me empurraram, e apanhei com o porrete. É
lamentável a polícia bater-nos assim", desabafou a vítima.
Vários jovens foram
atacados, também com bastões e com cães. Nelito da Costa lutou com um dos cães
largados pela polícia. “Primeiro, o cão rasgou-me as calças. Na segunda
investida, quando tentou saltar-me para o peito travei-o com um soco no
focinho. À terceira, mordeu-me no joelho esquerdo”. Conseguiu escapar à
perseguição policial que se seguiu.
Lúcia Silveira, presidente da Associação Justiça, Paz e
Democracia (AJPD), diz que a “polícia atingiu o cúmulo. Ao maltratar as mães, demonstram que a situação é muito mais
grave. É inadmissível. Como se justifica isso? As mães terão muito mais
solidariedade e qualquer dia, com a crise económica, muito mais pessoas sairão
à rua”.
Jornalistas ameaçados
No acto de repressão,
agentes policiais e dos serviços de segurança “recolheram”, conforme nova
terminologia policial, os jornalistas Coque Mukuta, da Voz da América, e Rafael
Marques de Morais, do Maka Angola.
Um alto oficial,
resguardado na sua viatura de alta cilindrada preta e de vidros fumados,
ordenou, por meio de sinais, aos agentes policiais para que não detivessem
Rafael Marques de Morais, mas que apenas confiscassem a sua máquina
fotográfica. O que se seguiu foram ordens e contra-ordens, tendo os agentes
policiais confiscado e devolvido três vezes a máquina fotográfica. Depois veio
a ordem de condução do jornalista e da sua câmara à 3.a Esquadra, no Pau da
Cobra, e a contra-ordem para que se levasse apenas o equipamento, e que o
jornalista fosse “acompanhado a pé”. Nova contra-ordem, e o jornalista lá deu
por si na viatura policial, a ser ameaçado pelo chefe da missão de que levaria
uma sova caso continuasse a “reclamar”. Passaram-se vários minutos, e nova
ordem foi dada para a soltura e devolução do equipamento. Entretanto, um
oficial da polícia, sempre com ameaças, ordenou ao jornalista: “Tens de
caminhar em direcção ao Rangel [na perifereia em sentido contrário ao da sua
residência]. Se tentares caminhar pela cidade, vais sentir o nosso poder de
coercção." O jornalista recusou-se a acatar a ordem, e recordou à polícia
a prática de raptos de activistas, em que as forças da ordem têm estado
mancomunadas com os serviços de segurança.
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