Lisboa - Centenas
de comissários eleitorais, a todos os níveis (municipais, provinciais e
nacionais), eleitos por todos os partidos representados no Parlamento,
subscreveram uma petição dirigida ao Parlamento angolano solicitando que sejam
esclarecidas dúvidas sobre “o regime jurídico do registo eleitoral estabelecido
pela Lei nº 8/15 (Lei do Registo Eleitoral Oficioso), com destaque para o
regime jurídico da supervisão do processo de registo presencial, referido no
seu artigo 57.º, no contexto da organização e condução dos processos
eleitorais”.
A validade da
referida lei, proposta pelo Presidente José Eduardo dos Santos e aprovada
apenas pelos votos do MPLA no Parlamento, é fortemente questionada por membros
da Comissão Nacional Eleitoral e seus órgãos locais, em todo o país, pelo facto
de transformar o Titular do Poder executivo, o Ministro da Administração do
Território e os administradores municipais e comunais, todos eles potenciais
candidatos às eleições gerais de 2017, em agentes eleitorais.
Segundo os
subscritores da petição, a Comissão Nacional Eleitoral é um órgão “independente
do poder executivo, não integrado na administração directa e indirecta do
Estado, a quem incumbe organizar, executar, coordenar e conduzir os processos
eleitorais para a eleição do Presidente da República e dos Deputados à
Assembleia Nacional”. Por isso mesmo, os comissários eleitorais, que organizam
e executam o registo eleitoral, a votação e o escrutínio, estão impedidos de
exercer o cargo de Presidente da República, Ministro ou Administrador
Municipal. De igual modo, o Presidente da República, os Ministros e os
Administradores Municipais estão impedidos de agir como comissários eleitorais,
executando actos eleitorais.
Os mais de 600
comissários que subscrevem o documento consideram que a Lei do Registo
Eleitoral Oficioso veio criar um conflito de competências entre o Executivo e a
CNE, que “tem impacto na validade e legitimidade dos actos eleitorais”
previstos para 2017.
“Sendo certo que,
nos termos dos princípios constitucionais da reserva da Constituição e da
supremacia da Constituição (artigos 117.º e 6º da CRA), a lei ordinária não
pode atribuir ao órgão Presidente da República, directa ou indirectamente,
competências que a CRA não atribui; e que os actos dos entes públicos só são
válidos se forem conformes à Constituição; pergunta-se:
“não constituirá
a atribuição dessa competência à administração central e seus órgãos
desconcentrados (artigos 14.º, 22.º, 24.º, 25.º, 28.º, 53.º, 55.º e 58.º, 69.º
e 70.º da Lei n.º 8/15) uma ofensa aos princípios da supremacia da
Constituição, da administração eleitoral e da reserva da Constituição
consagrados nos artigos 6.º, 107 e 117 da CRA?” – questionam os comissários. E,
“Tendo jurado ser fiel à Pátria e obedecer apenas à Constituição, como podemos
nós, agentes eleitorais investidos de poderes públicos, garantir que os actos
eleitorais a serem executados por quem não tem competência constitucional para
o fazer são válidos e que o exercício do poder político dele resultante é
válido e legitimo nos termos dos artigos 4º e 6º da CRA?” – questionam os
subscritores.
Uma fonte
parlamentar confirmou a este portal que, de facto, nos termos da Constituição e
da lei eleitoral vigentes (Lei n.º 36/11 - artigos 144.º e 211.º), compete à
CNE “organizar, executar, coordenar e conduzir os processos eleitorais”, o que
inclui executar e actualizar o registo presencial dos eleitores, definir o
formato e emitir cartões de eleitor e manter a custódia dos programas
informáticos e ficheiros relativos ao registo eleitoral. Estas competências
foram agora atribuídas ao Titular do Poder Executivo, ficando a CNE apenas como
“supervisora”.
E é relativamente
e esta função supervisora que a CNE pergunta: “Sendo que a lei define que uma
das formas de se efectivar a supervisão do processo de registo presencial é
através da “apreciação de relatórios periódicos sobre as operações de registo
eleitoral”, mas é omissa quanto a quem deve estabelecer os objectivos de tais
relatórios e definir a sua arquitectura, função e conteúdos, é legitimo esperar
que tais conteúdos sejam definidos e sugeridos pela entidade supervisora, de
forma a satisfazer as necessidades da boa organização e condução dos processos
eleitorais e garantir a imparcialidade e a universalidade efectiva dos
sufrágios?”
É a primeira vez
que membros da CNE, um órgão do Estado, questionam a um órgão de soberania, de
forma colectiva, sobre a legitimidade, validade e aplicação prática de normas
reguladoras de uma eleição. Os comissários recordam ser sua responsabilidade,
«enquanto titulares do órgão legitimador do exercício do poder político,
conferir aos processos eleitorais a legitimidade, lisura e democraticidade
requeridos pela Constituição”.
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