Reginaldo Silva
27.07.2016
Cerca de um ano e
meio depois de termos participado em Luanda na V Semana Social Nacional
promovida pela CEAST e organizada pelo Instituto para a Cidadania Mosaiko,
afecto aos dominicanos, regressamos esta segunda-feira ao mesmo local, ao
Instituto Superior João Paulo II, para recebermos o livro com as suas actas.
Em Janeiro do ano
passado, participamos desta Semana falando das assimetrias e desafios do
direito à informação em Angola, um tema que voltou agora com toda a força a
actualidade, depois de termos tido conhecimento do conteúdo do novo pacote
legislativo sobre a comunicação social.
É com ele que o
Executivo e o partido no poder pretendem controlar a imprensa/jornalistas deste
país, em mais um assalto ao território das liberdades e dos direitos
fundamentais, à semelhança do que estão a fazer com os advogados e com as ONGs.
Com algumas
diferenças de pormenor, a lógica é exactamente a mesma.
É a lógica, se
possível, da completa satelitização da sociedade aos desígnios do (actual)
poder político, retirando-lhe todos os espaços que permitam uma movimentação
mais independente dos cidadãos.
Antigamente era
com a ameaça directa e a retaliação aberta/ostracismo, agora é com o silencioso
e legítimo “Estado de Direito”, onde todas as encomendas legislativas são
feitas e refeitas à medida da estratégia definida.
Nas actas que nos
foram entregues, está mais uma brochura que a Mosaiko coloca à disposição do
mercado editorial angolano, desta feita com o título “Igualdade de
Oportunidades”, mas pode ser muito mais do que isso em função do aproveitamento
que cada um dos leitores lhe quiser dar.
Estas actas, como
é evidente, só estariam completas se fosse possível anexar todas as
contribuições que foram dadas pelos prelectores e pelos presentes no período
das perguntas e respostas que, normalmente, se segue a apresentação dos
diversos temas e que acaba por ser sempre o momento mais interessante e
dinâmico deste tipo de iniciativa.
Pelo volume de
trabalho que uma tal abrangência necessitaria, sabemos que ainda não é possível
termos as actas completas.
Já é, contudo, um
bom sinal que a Mosaiko consiga dar a estampa uma tal publicação desde que
assumiu a organização deste projecto da CEAST definido como sendo um “espaço de
estudo, reflexão e debate aberto em torno de um tema socialmente relevante para
ajudar os cristãos a tomar maior consciência das suas enormes
responsabilidades”.
Os cristãos e não
só, pois a Semana Social é aberta a todos os cidadãos com o propósito de se
promover um maior conhecimento mutuo para se lançarem as bases de uma
colaboração futura.
Que balanço mais
concreto se pode fazer destas semanas é um desafio que aqui deixamos aos seus
organizadores, embora saibamos que não é fácil medir estes impactos.
Neste regresso ao
mesmo espaço, tivemos segunda-feira o grato prazer de ouvir D. Gabriel
Mbilingue que orientou a cerimónia, numa intervenção que acabou por
“actualizar” o conteúdo das actas com a mais recente avaliação que a Igreja
Católica fez da situação do país e que remonta a Fevereiro último.
O Arcebispo do
Lubango e Presidente da Comissão de Justiça e Paz não podia ter sido mais
incisivo nesta actualização ao citar o conteúdo da primeira pastoral deste ano
da Assembleia da CEAST na parte referente ao aumento assustador do “fosso entre
os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais,
riquezas muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta”.
Nesta
actualização o destaque vai certamente para o dedo que os Bispos angolanos
colocaram nas outras razões que explicam a crise e que o poder político não
quer ver, porque não lhe interessa ou porque então está “careca” de saber que é
assim mesmo, por isso se irrita facilmente quando alguém lhe vem recordar o
óbvio.
D. Gabriel
Mbilingue optou por correr este “risco”, tendo recordado a “irritante”
passagem.
“A crise
económico-financeira em que o país se encontra mergulhado não se deve apenas à
queda do preço do petróleo, mas igualmente à falta de ética, má gestão do
erário público, corrupção generalizada, à mentalidade de compadrio, ao
nepotismo, bem como à discriminação derivada da partidarização crescente da
Função Publica, que sacrifica a competência e o mérito”.
Nesta passagem
(re)citada esta segunda-feira pelo mais internacional dos Bispos católicos
angolanos, que acaba de ser reconduzido em Luanda para mais um mandato como
“Presidente da UA dos católicos”, não estando patente nenhuma grande novidade
para quem vive de facto em Angola, está, certamente, um dos diagnósticos mais
contundentes já subscritos pela Igreja sobre o rumo que está a ser seguido pelo
país real.
Acompanhamos
ainda D. Mbilingue a exorcizar esta segunda-feira o fantasma do medo, que, em
abono da verdade, é aquele que mais tem ajudado a governação deste país a impôr
a suas “indigestas receitas” e a nunca reconhecer que é por causa delas que
estamos a “sempre a subir para baixo”.
“Lutemos juntos
contra o medo que não deixa avançar, o medo que muitas das vezes nos torna
cúmplices das injustiças, cúmplices da manutenção de um sistema que legítima a
desigualdade. Lutemos contra toda forma de violência que promove a desigualdade
quer nas famílias, nos bairros, na sociedade, na igreja”.
Nesta mais recente
oração contra o medo feita pelo Arcebispo do Lubango, está a resposta para
algumas interrogações das pessoas que ainda não perceberam muito bem como é que
o país (não) funciona.
PS: Por razões de
força maior deixarei de assinar esta crónica às quartas-feiras nas próximas
semanas e por um período que espero que não ultrapasse o mês de Agosto.
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