O poder angolano tem
dificuldade em lidar com contestatárioscom laços familiares dentro do próprio
MPLA
Em 1977, o pai, João Beirão, fora um dos jovens intelectuais
angolanos a alistar-se como agente da mal afamada Direcção de Informação e
Segurança de Angola - DISA.
Trinta e oito anos depois, por ironia da história, o filho,
Luaty Beirão, acaba de se converter, há três meses, num dos prisioneiros
políticos mais célebres do sistema que o pai ajudou a erguer.
Novo símbolo da resistência ao regime de José Eduardo dos
Santos, que catapultou o pai para o cargo de director da sua fundação - FESA -
o rapper angolano, de 33 anos, faz parte de um grupo de 15 jovens encarcerados
sob a acusação de envolvimento numa alegada tentativa de golpe de Estado. A
ausência do Presidente José Eduardo dos
Santos na abertura do ano legislativo na quinta-feira, "por
indisponibilidade temporária" gerou uma imediata vaga de especulações. O
discurso presidencial acabou por ser lido pelo vice-presidente, Manuel Vicente
que tentou desvalorizar a detenção dos activistas para privilegiar, em
contrapartida a firmeza da estabilidade política interna.
"O discurso serviu, em parte, para exaltar o trabalho
dos serviços de segurança" - disse ao Expresso Diamantino Fonseca,
professor universitário.
Rejeitando quaisquer tipos de cedência a pressões externas,
o Presidente angolano não deixou de advertir por interposta pessoa "
entidades estrangeiras interessadas em instalar o caos e a desordem para
provocar a queda de partidos políticos ou de dirigentes com os quais não
simpatizam".
A critica encerra uma alusão indirecta à eurodeputada do PS
Ana Gomes, eleita inimiga de estimação de Luanda, por causa das suas críticas
publicas à forma como o sistema tem lidado com as manifestações de
solidariedade para com Luaty Beirão e os seus companheiros.
Visibilidade e "disparates"
Apesar da condenação dos ativistas estar rodeada de carga
"patriótica", há distanciamento, mesmo em círculos afetos ao regime.
"Ridícula" e "bizarra", são as palavras mais usadas, em
certos meios da sociedade para satirizar a alegada intentona dos jovens
detidos.
Em meios moderados do partido governamental, a estratégia
utilizada pelo regime, está a causar tensão, pois o poder angolano está confrontado
com um grupo de contestatários com ramificações familiares dentro do próprio
MPLA.
"Esse é que é o dilema e quem está a dar visibilidade a
este caso são os nossos próprios disparates" - disse ao Expresso um
deputado do MPLA, que pediu o anonimato.
Partilhando de ideias que estão a provocar a ira dos
serviços secretos angolanos, a causa de Luaty Beirão se, em certos círculos da
sociedade angolana derruba barreiras e provoca algumas paixões, noutros meios
mais radicais do regime, está a gerar, em sentido inverso, sentimentos de ódio.
"Luaty
passou a ser odiado e a sua morte poderia ser um alívio para o partido do
Presidente Eduardo dos Santos. Teria menos um crítico com que se
preocupar..." diz o ativista político, Rafael Marques.
O crescente movimento de solidariedade, dentro e fora do
país, deixou, entretanto, de ser indiferente para o regime de Luanda. Receando
ter de passar uma certidão de óbito em nome de Luaty, as autoridades
preocuparam-se em exibir imagens televisivas sobre o seu estado de saúde.
À espera do pior
Os advogados de defesa dos ativistas continuam a protestar
contra o excesso de tempo de prisão preventiva, que recai sobre os seus
constituintes.
As
autoridades negam categoricamente essa acusação. Em resposta à
multiplicação de vigílias nas igrejas de Luanda, prontamente reprimidas pelas
forças de segurança, o juiz-presidente do tribunal provincial de Luanda,
Domingos Mesquita disse que "os juizes" em Angola "são
independentes e só devem obediência à lei e à sua livre consciência"...
"Agora, só o juiz da causa tem competência para decidir
se eles devem, ou não, aguardar julgamento em casa" - defende o jurista
José Carlos Miguel.
Profundamente debilitado e internado agora no hospital-prisão
da cadeia de São Paulo em Luanda, o rapper angolano recusa interromper a greve
de fome iniciada há vinte e cinco dias e continua a rejeitar receber tratamento
médico.
Gustavo Costa
Correspondente em Luanda
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