Rui Verde,
doutor em Direito, 20 de Outubro de 2015
O mundo
está com os olhos postos em Luaty Beirão.
O mundo começa a perceber que o regime angolano se comporta
exactamente como uma ditadura, prendendo e torturando os seus opositores.
Agora, não contente com o absurdo jurídico que têm sido os
casos de Luaty Beirão e dos outros jovens, de José Mavungo ou de Rafael
Marques, o regime volta a atropelar o Direito e a Justiça, fazendo mais um preso
político.
Domingos Magno, jornalista do site Central 7311, foi detido
no passado dia 16, alegadamente por ter cometido o crime de “falsa qualidade”.
Parece que o crime de Domingos Magno foi ter obtido um passe de jornalista para
ouvir em directo e ao vivo a comunicação do vice-presidente Manuel Vicente à
Assembleia Nacional acerca do estado da Nação.
Segundo as autoridades, Domingos Magno não é jornalista,
pelo que não poderia ter obtido o referido passe. Os serviços torcionários
angolanos têm, como se vê, imaginação fértil no que toca a pretextos para as
suas detenções ilegais.
Se o pretexto para esta detenção é já de si absurdo – e
indigno de qualquer democracia, por frágil que seja –, é ainda para mais
errado. Domingos Magno exerce funções de repórter para um site noticioso, pelo
que é jornalista, ao menos em termos materiais. Ora, na área criminal impõe-se
o dever constitucional de procurar a verdade material.
Um jornalista é uma pessoa que recolhe, escreve, ou
distribui notícias ou outras informações actuais. Nos dias de hoje o conceito é
alargado não só à imprensa escrita, como ao audiovisual e ao mundo digital
(portais, sites, etc).
Qualquer cidadão que escreva para o público informando-o ou
divulgando notícias, através de um órgão de comunicação social ou de redes
sociais, pode apresentar-se como jornalista, porque nada define o contrário. E
a liberdade de imprensa e o direito à identidade individual (em que se integra
a profissão) estão garantidas pela Constituição.
Desde 2006, altura em que foi aprovada a Lei de Imprensa, o
presidente José Eduardo dos Santos recusa-se, por omissão, a aprovar a sua
regulamentação. Tinha 90 dias para o fazer. Já lá vão 9 anos! Seria a regulamentação da Lei de Imprensa que
definiria, dentro dos parâmetros constitucionais, os requisitos para atribuição
da carteira profissional de jornalista dentro do Estatuto do Jornalista.
O presidente recusa-se a assinar o decreto-lei que
estabelece o Estatuto do Jornalista ao abrigo da Lei de Imprensa, logo não há
forma, a não ser através do bom senso e das regras de liberdade constitucional,
de definir quem é jornalista e não é.
E certamente, não serão os serviços de segurança ou o
sistema judicial que definirão a posteriori quem é jornalista ou não.
Em termos jurídicos, é preciso realçar que não há qualquer
crime consumado de “falsa qualidade”. Semelhante crime só ocorreria se o
suposto perpetrador tivesse entrado na Assembleia Nacional com o cartão de
jornalista e ocupado um dos lugares específicos desta categoria, coisa que não
chegou a acontecer. Não há sequer tentativa de crime, uma vez que Domingos
Magno não chegou a tentar entrar na Assembleia. Tendo em conta que o detido não
acedeu nem tentou aceder à Assembleia Nacional, não pode considerar-se, sob
nenhum ponto de vista, que houve um crime.
Domingos Magno está então detido devido à posse do cartão de
jornalista. Seja ou não considerado jornalista, a mera posse de um cartão
profissional não é fundamento para a detenção, pois não foi cometido ou tentado
qualquer crime.
O facto de
ter obtido o cartão pode ser considerado, quando muito, um acto preparatório. E
os actos preparatórios não são puníveis, nem justificam a prisão preventiva.
Há tempos,
Josephine Witt, uma activista alemã, entrou numa conferência do BCE (Banco
Central Europeu) e saltou para cima do seu presidente, Mário Draghi,
lançando-lhe uma mão-cheia de confettis de Carnaval para cima da cara. Josephine
contou aos jornalistas que esperou à porta do BCE e que para ter acesso à
conferência de imprensa precisou apenas de mentir um bocadinho, dizendo que era
jornalista da revista Vice. Contudo, embora detida pelos seguranças, acabou por
ser libertada sem acusações.
Em Angola, Domingos Magno não entrou na Assembleia Nacional
(e poderia tê-lo feito, uma vez que as sessões são públicas), nem tão-pouco
atirou confettis de Carnaval para a cara de Manuel Vicente. Não há
absolutamente nenhuma justificação para que se encontre detido.
Pela sua parte, o regime angolano incomoda-se sempre que a
Europa o critica. Pode ter razões para ficar incomodado, mas então não deve dar
razões para ser criticado e tem de seguir os padrões mais elevados no que
respeita aos Direitos Fundamentais.
É difícil compreender as atitudes do regime angolano,
nomeadamente as recentes detenções e o endurecimento da repressão.
Na Primeira Guerra Mundial dizia-se acerca do exército
inglês que era composto por leões dirigidos por burros. Será que o mesmo se
passa hoje em Angola?
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