Rafael Marques de Morais, 12 de Outubro de 2015
Em 40 anos de poder, os dirigentes do MPLA têm evoluído
pouco em termos de discurso político.
Recentemente, o executivo de José Eduardo dos Santos enviou
ao Parlamento Europeu as suas justificações sobre a visita da eurodeputada Ana
Gomes a Angola. Em causa está a condenação, pelo Parlamento Europeu, das
violações dos direitos humanos em Angola, por 550 votos a favor e apenas 14
contra.
O documento oficiail das autoridades angolanas, a que o Maka Angola teve acesso, destila a sua habitual prepotência e falta de
decoro diplomático. É de um infantilismo
político confrangedor que envergonha os angolanos de bem e apenas anima os
fanáticos do MPLA. O executivo confunde-se com o parlamento.
Virgílio de Fontes Pereira, chefe da bancada parlamentar do
MPLA, dirigiu a delegação angolana que participou no Encontro dos Parlamentares
da África, Pacífico e Caraíbas com a União Europeia. Os documentos foram
entregues em mãos ao Comité dos Assuntos Políticos do Parlamento Europeu, assim
como em vários gabinetes desta instituição pelos membros da delegação angolana.
A embaixadora na Bélgica, Elizabeth Simbrão de Carvalho, fazia parte da
comitiva oficial.
Pelo interesse público do documento, este portal sumariza-o
e, quando necessário, comenta o seu conteúdo.
Resposta oficial às acusações do Parlamento
Segundo a resposta oficial do governo angolano, a “larga
maioria das individualidades” com quem a eurodeputada portuguesa se encontrou
“são líderes políticos da oposição, abertamente identificados como tendo uma
estratégia de derrubar, por todos os meios possíveis, o actual poder político,
incluindo a incitação à rebelião”.
Este argumento implica que as autoridades tenham provas das
supostas estratégias dos líderes da oposição para tomarem o poder por via de um
golpe de Estado ou rebelião.
Mas como se explica que o regime tenha decidido prender 15
jovens activistas e acusá-los de planearem uma rebelião e um atentado contra o
presidente da República, quando estes apenas liam e discutiam livros e ideias
sobre resistência não-violenta às ditaduras?
Ana Gomes encontrou-se com os líderes da UNITA e da CASA-CE,
nomeadamente Isaías Samakuva e Abel Chivukuvuku, cujos partidos estão
representados na Assembleia Nacional. A eurodeputada encontrou-se também com os
líderes do Bloco Democrático, um partido sem assento parlamentar. Como é
possível que a justiça angolana permita que tais líderes “rebeldes” continuem
em liberdade e os seus partidos mantenham os seus assentos no parlamento? Ou
será que as autoridades procuram simplesmente enganar o Parlamento Europeu com acusações
mirabolantes?
O relatório público da visita de Ana Gomes revela que a
bancada parlamentar do MPLA nunca respondeu ao pedido de encontro por ela
solicitado. Todavia, a eurodeputada manteve encontros, bastante publicitados
pelos media estatais, com os ministros da Justiça e Direitos Humanos assim como
da Administração do Território, respectivamente Rui Mangueira e Bornito de
Sousa. O provedor de Justiça,
Paulo Tchipilica, também a recebeu no seu gabinete.
A política
de descrédito.
As
autoridades defendem também que o relatório da eurodeputada, que serviu de base
para a condenação do Parlamento Europeu, “não apresenta novas vias de
sustentabilidade em relação ao conteúdo da campanha que tem sido levada a cabo,
ao longo dos anos, através da cruzada do activista político Rafael Marques, mas
também através da estratégia liderada pela UNITA que visa apenas a induzir os
parlamentares europeus a darem cobertura a um plano diabólico cuja extensão e
intenções a maioria destes não compreende”.
Então, o
Rafael Marques, sozinho, trava uma “cruzada” contra o presidente e o MPLA ao
longo dos anos? Cruzada para quê? É diabólico lutar pelas liberdades de
imprensa e de expressão? É
mesmo satânico defender os direitos humanos e a democracia? Na lógica do MPLA,
sim. Contra esse neo-fundamentalismo aparentemente “religioso” do MPLA,
qualquer argumento em contrário pode configurar mais um crime, de blasfémia.
Aos parlamentares europeus, o MPLA não sustenta as acusações sobre os “planos
diabólicos” contra o seu poder.
Os parlamentares do MPLA acusam ainda Ana Gomes de ser
frustrada e de ser movida “por um complexo de inferioridade motivado pelo
reconhecimento do impacto positivo nas vidas dos cidadãos, nomeadamente as
oportunidades de emprego para os portugueses”.
Abusos de poder mal disfarçados.
Nas suas justificações, os representantes do poder angolano
descrevem então os casos mais relevantes de violação dos direitos humanos.
Sobre José Marcos Mavungo, limitam-se a referir a sua
detenção a 14 de Março passado e a sua condenação a seis anos de prisão por
crime de incitação à rebelião. Para demonstrarem que não houve violação alguma,
declaram: “Os advogados de defesa anunciaram à imprensa angolana que
apresentarão recurso à sentença”.
Ainda sobre
Cabinda, o documento refere também o caso do advogado Arão Tempo, detido no
mesmo dia e “acusado de crime de sedição”. Por desconhecimento da data
de libertação condicional de Arão Tempo, os parlamentares do MPLA informam o
presidente do Parlamento Europeu de que o mesmo foi solto "a X de X de
2015". Não recorreram
sequer ao Google para pesquisar a data a nem tiveram saldo para telefonar ao
tribunal ou ao governo provincial de Cabinda para confirmarem a data.
Segundo as
autoridades angolanas, o caso do cidadão Rafael Marques também é elucidativo. “Foi
condenado em primeira instância pelo Tribunal Provincial de Luanda a seis meses
de pena suspensa pelo crime de denúncia caluniosa”.
Como prova da ausência de arbitrariedades no processo, os
deputados lembram que “o cidadão acima mencionado continua em liberdade
enquanto aguarda pela decisão do Tribunal Supremo”. É desnecessário lembrar ao
MPLA sobre a legislação que aprovou relativamente à suspensão da aplicação da
sentença em sede de recurso. Aqui finge ignorância das leis.
Mentiras caóticas
O documento sublinha ainda que, “dos casos mencionados no
livro intitulado Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, 198
processos foram abertos, dos quais 115 já foram julgados e os seus autores,
para além de serem cidadãos ordinários, são também soldados das Forças Armadas
Angolanas, oficiais da Polícia Nacional, funcionários públicos e guardas de
empresas privadas de segurança”. Essa informação revela que ou o MPLA mente, ou
a Procuradoria-Geral da República mente. Os casos mencionados no livro não
foram investigados pela PGR e enviados a tribunal, como faz crer o MPLA.
Quanto ao caso do líder da seita religiosa A Luz do Mundo,
José Jolino Kalupeteka, as autoridades reiteram que se registou a morte de nove
agentes policiais e apenas 13 seguidores da seita, e que a informação pública
sobre o massacre é falsa.
A este respeito, os argumentos contêm uma pérola: “No âmbito
das investigações, 103 cidadãos foram detidos, entre os quais o líder da seita,
e, durante o processo 85 cidadãos foram libertados enquanto 10 permanecem
detidos”. Ora, há aqui um problema aritmético: 103-85=18. Por estas contas,
após a libertação dos 85, deviam estar presos 18 membros da seita de
Kalupeteka, incluindo o próprio líder. As autoridades afirmam que se encontram
detidos apenas 10. O que aconteceu aos oito? Foram mortos, desapareceram,
contaram mal os presos? A justificação oficial não cria um problema meramente
aritmético, é bem mais grave. Não explica o paradeiro de oito detidos da seita
de Kalupeteka.
De forma extraordinária, o documento reafirma as credenciais
de tolerância religiosa do governo por ter reconhecido 90 confissões
religiosas. E no parágrafo seguinte declara: “como consequência desse
incidente, houve dispersão dos crentes que se aglomeravam naquela localidade,
do líder da seita, e provinham de seis cidades”.
Diplomacia boçal.
Na verdade, o MPLA submete ao parlamento dois documentos
separados, um sobre a visita de Ana Gomes e outro sobre a condenação pelo
Parlamento Europeu, embora o conteúdo das justificações seja o mesmo.
No
segundo documento, importa destacar apenas que o governo de Angola e a
Procuradoria-Geral da República esclareceram os cidadãos e “mantiveram
encontros com o corpo diplomático acreditado em Angola, assim como com os
embaixadores da União Europeia, e também com a eurodeputada em questão [Ana
Gomes]” sobre as questões dos direitos humanos em referência. “Depois desses
encontros, os embaixadores da União Europeia e a eurodeputada manifestaram a
sua satisfação aos factos apresentados pelo governo”, revela o documento.
Mais ainda, o governo “considera estranha a forma
deselegante como a resolução [do Parlamento Europeu] se refere às actividades
da Procuradoria-Geral da República e dos órgãos judiciais” de Angola.
Ora, recentemente o recém-nomeado procurador-geral adjunto
da República, Luciano Chaca Kumbua, acompanhado do especialista do Serviço de
Investigação Criminal, Pedro João da Graça Vandúnem, deslocaram-se a Portugal,
onde, ilegalmente, interrogaram o cidadão angolano Alberto Neto sobre o Caso
dos 15 presos políticos. Tal acto violou a soberania portuguesa, membro da
União Europeia, e levou já a eurodeputada Ana Gomes a exigir uma investigação
por parte das autoridades do seu país. A 22 de Setembro passado, o gabinete da
ministra da Justiça de Portugal informou-a de que aquele órgão do executivo
“respeita integralmente a separação de poderes” e sobre o encaminhamento do seu
requerimento “às autoridades competentes”.
O regime de José Eduardo dos Santos acusa Ana Gomes de ter
inveja dos prédios modernos em Angola e “da dignidade e conforto que os
parlamentares angolanos terão no novo edifício da Assembleia Nacional”.
O MPLA tem-se vangloriado de congregar, no seu seio, 95 por
cento dos intelectuais angolanos. A pergunta que se coloca é: com este tipo de
inteligência e boçalidade, não será o MPLA a sua pior oposição?
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