Rafael Marques de Morais, 19 de Outubro de 2015
Domingos Magno é o novo preso político do regime de José
Eduardo dos Santos.
O activista António Diogo de Santana Domingos “Magno”, de 38
anos, cumpre hoje o seu quarto dia de prisão preventiva por ter pensado em
dirigir-se à Assembleia Nacional, para ouvir o Discurso à Nação proferido pelo
vice-presidente Manuel Vicente, a 15 de Outubro.
Domingos Magno, como é conhecido, nem sequer chegou a 200
metros de distância da Assembleia Nacional. Maka Angola recolheu vários
depoimentos junto de familiares, amigos e fontes policiais, e narra o sucedido.
O activista foi capturado, pouco depois das 10 da manhã, por
dois agentes do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) que o
seguiam, junto às instalações da empresa NCR, após ter recebido um passe
reservado à imprensa, que lhe daria acesso ao edifício da Assembleia Nacional.
Após a sua detenção, os agentes, acompanhados por forças
policiais, encaminharam-no para a 4.ª Esquadra, na Maianga, onde foi
interrogado apenas por agentes do SINSE. De seguida, foi transferido para a 1.ª
Esquadra, na Baixa, onde foi submetido a mais dois interrogatórios, pelos
mesmos agentes e outros não identificados. Foi então encaminhado para a
Esquadra da Ilha de Luanda, onde passou a noite e foi sujeito a mais dois
interrogatórios, em separado, levados a cabo por elementos estranhos à unidade
policial.
Na sexta-feira, foi transferido para a 2.ª Esquadra, onde se
encontra detido até ao momento. Nessa mesma unidade, foi ouvido pela instrução
policial e pela Procuradoria-Geral da República.
Durante os interrogatórios, segundo informações fidedignas
obtidas por Maka Angola, estiveram presentes funcionários da Presidência da
República. As perguntas colocadas a Domingos Magno nada tinham que ver com o
passe de acesso à Assembleia Nacional e à possível infracção cometida. Os
interrogadores queriam saber se há mandantes políticos por detrás do seu
activismo e quais os benefícios que obtém com o seu comportamento cívico. Os
interrogadores exigiam nomes de supostos mentores e mandantes.
Apenas hoje Domingos Magno foi informado de que é acusado de
“falsa qualidade”, sob o Processo: 6484/15 – I G.
O activista tem sido um dos principais repórteres da Central
Angola 7311, um portal informal criado em alusão à primeira manifestação
antigovernamental, datada de 7 de Março de 2011, na sequência da Primavera
Árabe.
Maka Angola contactou o procurador da 2.ª Esquadra, e este
referiu que não era da sua competência prestar informações públicas. A
secretaria da esquadra encaminhou-nos, de seguida, para o Oficial de Dia, que
se recusou a prestar quaisquer declarações na ausência do comandante da
unidade.
No local, encontravam-se a esposa de Domingos Magno, em
estado avançado de gestação, e os seus irmãos, com sacos de comida e garrafas
de água para alimentação do familiar. As autoridades não têm condições para
providenciar alimentação básica aos reclusos.
Por sua vez, Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola,
explicou que “em termos jurídicos é de realçar que não há qualquer crime
consumado de ‘falsa qualidade’ - tal só ocorreria se o suposto perpetrador
tivesse entrado na Assembleia Nacional com o cartão”.
Ainda de acordo com Rui Verde: “Nem sequer há tentativa de
crime, que só ocorreria se ele tivesse tentado entrar e fosse impedido. Como
nada disto aconteceu, a mera detenção do cartão não é crime nenhum, sendo ou
não jornalista. Logo, não há fundamento para a prisão porque não foi cometido
ou tentado cometer qualquer crime.”
Ameaças prévias
Dois dias antes da sua detenção, Domingos Magno recebeu
ameaças e avisos na sua página de Facebook para que se distanciasse dos seus
círculos de amizade, de activistas críticos do regime e de figuras da oposição,
sob pena de, caso não o fizesse, sofrer sérias consequências políticas a breve
prazo. Demorou apenas dois dias até que isso acontecesse.
Segundo fonte próxima de entidades familiarizadas com o
caso, o convite para Domingos Magno ter acesso a um passe de imprensa partiu do
mesmo grupo operativo, servindo como cilada. Nesse mesmo dia, Domingos Magno
tinha um encontro com entidades oficiais cujo assunto era um projecto
relacionado com a defesa de menores vítimas de violação sexual, no qual estava
a trabalhar. No dia anterior, por insistência de pessoas da Assembleia
Nacional, que lhe telefonaram, acedeu ao convite e cancelou o encontro.
Domingos Magno passou a estar sujeito a vigilância
securitária por ter escrito, em Setembro passado, uma carta aberta, bastante
educada, dirigida ao filho do presidente José Eduardo dos Santos e actual
presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos “Zenú”. Nessa
carta, pedia a Zenú que intercedesse junto do seu pai e lhe solicitasse a
libertação dos 15 presos políticos.
“Estes jovens foram primeiro acusados de estarem a preparar
um atentado contra o seu pai (no que não acredito), e com o passar do tempo as
acusações foram mudando, quase uma diferente por semana. Neste momento nem sei
bem qual é o nome da acusação que pesa sobre eles”, escreveu o activista na
missiva para Zenú.
Sobre a acusação política inicial do procurador-geral da
República, general João Maria de Sousa, segundo a qual os jovens preparavam um
golpe de Estado,
Domingos Magno esclareceu o filho do presidente: “Eles [os
15 presos politicos] até são contra golpes de estado, pois acreditam que um
golpe facilitaria a manutenção de um sistema opressor, travando o avanço do
país em todos os aspectos, e gerando violência.”
Para que não restassem dúvidas, Domingos Magno afirmou
ainda: “Esta posição pode ser lida nas primeiras páginas do livro que um deles
escreveu; na altura em que eles foram presos, estavam a meditar no tal livro.”
Trata-se do manuscrito “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura:
Filosofia Política para a Libertação de Angola”, do escritor e jornalista
Domingos da Cruz.
“Só queria que o irmão, influente como é, e filho do
presidente, com responsabilidades acrescidas no nosso país, nosso irmão, filho
da nossa geração, jovem como nós e certamente pessoa com quem podemos contar no
futuro, interceda por estes jovens. Não só eles não são o que as pessoas têm
dito, como também não querem nada de mal para o país nem para as pessoas que
lideram o país”, pediu Domingos Magno.
“Sabe, irmão Zenu? Aí naquele grupo de jovens que estão
presos, há licenciados, mestres, doutores e académicos cheios de vontade.
Pessoas que até podiam ser seus assessores nos mais variados aspectos da vida,
jovens com talentos muito preciosos”, sublinhou.
Domingos Magno, estudante do 3.º ano de Economia e Gestão na
Universidade Jean Piaget, trabalhou durante vários anos em multinacionais
ligadas ao sector petrolífero, nas quais exerceu cargos de gestão de logística.
É cada vez mais evidente o elevado nível de formação
profissional e académica dos activistas que têm vindo a contrariar a regressão
do país rumo a um estado de partido único e uma ditadura de facto.
A
contestação do meio
Um analista
familiarizado com o caso referiu que a detenção de Domingos Magno “tem muito a
ver com a tentativa do SINSE para o recrutar, incluindo há apenas duas semanas
atrás”.
“Há figuras
da classe média a juntarem-se à contestação”, afirmou o mesmo analista, que
prefere o anonimato.
“Estas
detenções servem para quebrar a adesão de certos estratos sociais ao movimento
de contestação, para que sejam apenas os desgraçados, sem bons empregos nem
estatuto social, aqueles que podem ser conotados como “frustrados” e
reprimidos, sem criarem repercussão, como está a acontecer com o caso do Luaty
Beirão.”
Para este analista, “haverá muitos intelectuais e membros da
chamada classe média a caírem na mesma situação caso se manifestem
contestatários. São esses os que têm alguma coisa a perder.”
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