23.02.2016 às 17h19
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Magistrado do DCIAP terá recebido €200 mil de uma sociedade
ligada à Sonangol no mesmo dia em que arquivou uma investigação sobre Manuel
Vicente e as origens do dinheiro usado pelo atual vice-presidente de Angola
para comprar um apartamento no Estoril-Sol Residence
Micael
Pereira
Rui Gustavo
Batizado
com o nome Operação Fizz, o caso está a provocar ondas de surpresa e choque no
Ministério Público. Orlando Figueira, um ex-procurador do Departamento Central
de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que foi responsável até 2012 por
investigar algumas figuras do regime angolano, foi detido esta terça-feira por
indícios de corrupção passiva “na forma agravada” por ter recebido duas
transferências bancárias no mesmo dia em que arquivou um inquérito-crime sobre
Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola e outros arguidos. O Expresso
sabe que Vicente é suspeito de ser o corruptor ativo do magistrado, ainda que,
para já, não tenha sido constituído arguido.
"Posso confirmar que o meu escritório foi alvo de
buscas", admite Paulo Amaral Blanco, advogado de Manuel Vicente e
constituído arguido por corrupção ativa. "Isto não tem pés nem
cabeça", crítica o advogado. Segundo Amaral Blanco, os investigadores
levaram, entre outros documentos, comprovativos dos honorários de Manuel
Vicente entre 2007 e 2010. "Estava a ser investigada a compra de um
apartamento no Estoril-Sol e eu fiz chegar ao processo esses comprovativos.
Quando o processo foi arquivado pedi-os de volta. Agora a polícia
levou-os."
É a primeira vez na história do DCIAP, um departamento de
elite do Ministério Público em Portugal dedicado às investigações mais
complexas de crimes de colarinho branco e de criminalidade organizada, que um
dos seus elementos é alvo de um processo-crime. E é também a primeira vez que
um membro do governo de Angola é suspeito de corrupção em Portugal. Até agora,
o que havia em relação a figuras do regime de Luanda eram investigações que
resultavam apenas dos mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais, na
sequência de alertas obrigatórios emitidos pelos bancos quanto ao fluxo de
somas avultadas de dinheiro associadas a antigos e atuais governantes.
Na Operação Fizz, Manuel Vicente é considerado suspeito de
corrupção ativa pelo facto de duas transferências bancárias totalizando um
montante de 200 mil euros terem sido feitas para uma conta de Orlando Figueira
pela Primagest, uma sociedade controlada pela Sonangol, precisamente quando o
atual vice-presidente de Angola era o CEO da companhia estatal angolana de
petróleo. "Na tese da investigação, Manuel Vicente é o corruptor",
admite Paulo Amaral Blanco. O dirigente angolano não está em Portugal e só por
isso não terá sido constituído arguido.
As transferências foram feitas a 16 de janeiro de 2012, no
mesmo dia em que o então magistrado do DCIAP arquivou um inquérito-crime sobre
branqueamento de capitais relacionado com Manuel Vicente. Segundo o que o
Expresso apurou, o dinheiro foi depositado numa conta aberta aparentemente de
propósito no Banco Privado Atlântico Europa – a filial portuguesa do angolano
BPA – e cujo beneficiário era Orlando Figueira. Esses valores viriam a ser mais
tarde declarados pelo ex-procurador como rendimento do trabalho.
De onde vinha o dinheiro?
O inquérito-crime sobre Manuel Vicente encerrado em janeiro
de 2012 dizia respeito à origem do dinheiro usado pelo então CEO da Sonangol
para adquirir um apartamento no nono piso do bloco A do edifício Estoril-Sol
Residente, em Cascais, por vários milhões de euros.
Trata-se de uma investigação iniciada em 2011 e anterior a
uma outra, aberta já em 2012 na sequência de uma queixa apresentada ao
Ministério Público pelo historiador, professor universitário e ex-embaixador
angolano Adriano Parreira e com denúncias adicionais feitas pelo jornalista
Rafael Marques. Conhecido como “o processo dos angolanos”, o inquérito-crime
sobre os factos avançados por Adriano Parreira viria a ser parcialmente
arquivado em novembro de 2013, incluindo quanto a suspeitas sobre Manuel
Vicente.
Numa nota divulgada esta terça-feira, e sem referir
quaisquer nomes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma a realização
de um extenso número de buscas a casas, escritórios de advogados e a um banco e
que “foi efetuada uma detenção” na sequência das diligências levadas a cabo por
11 procuradores, oito juízes e 60 inspetores da Polícia Judiciária.
“Os factos em investigação indiciam suspeitas da prática dos
crimes de corrupção passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma
agravada, branqueamento e falsidade informática”, esclarece o comunicado da
PGR, acrescentando: “Em causa está o recebimento de contrapartidas por parte de
um magistrado do Ministério Público (em licença sem vencimento de longa duração
desde setembro de 2012) com a finalidade de favorecer interesses de suspeito,
em inquérito cuja investigação dirigia”.
A saída de Orlando Figueira do DCIAP esteve envolta em
polémica por causa dos rumores que correram então de que teria sido contratado
por Angola, alegadamente para o banco BIC, mas a instituição financeira negou
que isso fosse verdade. O magistrado não informou a hierarquia qual era a
empresa para onde ia trabalhar, já que tinha assinado um acordo de
confidencialidade, sendo que o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP)
concedeu-lhe uma licença de longo prazo, permitindo-lhe voltar a exercer mais tarde
funções de procurador.
O empregador-mistério veio a revelar-se ser o Millenium BCP,
cujo maior acionista é a Sonangol e onde Orlando Figueira é consultor do
departamento de compliance desde 2012. Em 2014 passou a ser também assessor jurídico do CEO do ActivoBank, uma
instituição do grupo Millenium BCP vocacionada para a banca online. Além
disso, é advogado no escritório da sociedade BAS.
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