As mortes
causadas pela malária este ano em Angola poderão de longe ultrapassar as de
2015 à medida que aumenta a crise de saúde no país, que inclui o pior surto de
febre-amarela das últimas décadas, revelou a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Angola registou
2.915 mortes por malária nos primeiros três meses deste ano, comparados com
8.000 durante todo o ano de 2015 e 5.500 no ano anterior, disse a OMS à
Reuters.
Este novo surto
de malária devastou todo o país, mesmo nas províncias com tradição de baixa
taxa de prevalência da doença estamos a observar um grande aumento de casos,”
disse o representante da OMS, em Angola, Hernando Agudelo Ospina.
Ele explicou que
o lixo não removido em Luanda por causa de cortes orçamentais do governo e uma
queda excepcional de chuvas contribuem para o aumento de casos de malária,
febre-amarela e diarreias crónicas.
Um surto de
febre-amarela já matou pelo menos 225 pessoas em Angola e 21 na República
Democrática do Congo (RDC), segundo dados das duas últimas semanas. A OMS
alertou que esta epidemia representa uma ameaça global.
Recorde-se que
apenas 7,7% do Orçamento Geral do Estado é para a saúde, três vezes menos que a
Segurança e Defesa, sendo esta a percentagem mais baixa da Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral, segundo dados da OMS de 2013.
A agudização da
propagação da malária em Angola está em contraciclo com o que tem acontecido na
região. Desde o início do século, o combate à malária – que continua a ser uma
das doenças mais mortíferas no continente africano – conseguiu reduzir em 42% o
número de casos de contracção do parasita e cerca de 66% a taxa de mortalidade,
de acordo com a OMS.
O surto de
febre-amarela também está a preocupar. Cerca de 500 pessoas foram infectadas e
225 morreram desde que os primeiros casos foram registados em Dezembro. A
epidemia já se propagou à República Democrática do Congo, onde 21 pessoas
morreram.
A directora-geral
da OMS, Margaret Chan, declarou que “este é o mais grave surto de febre-amarela
que Angola enfrentou nos últimos 30 anos”, durante uma visita ao país este mês.
Para conter a doença, as autoridades angolanas estenderam recentemente uma
campanha de vacinação às províncias de Benguela e Huambo, para além da capital.
O orçamento
angolano foi reduzido, as dívidas estão em crescimento, e a moeda depreciou
este ano enquanto baixam os preços do petróleo, o que afecta o segundo pais
maior produtor de petróleo em África, dizem os peritos.
Às escuras e sem
água.
Como é que isto é
possível? Vejamos. Mais de metade dos cerca de 5,5 milhões de agregados
familiares de Angola, um país que é um dos maiores produtores africanos de
petróleo e tem como Presidente da República o mesmo cidadão desde 1979, não têm
acesso a água “apropriada” para beber e 31,6% têm nas lanternas a forma de
iluminação.
As conclusões
resultam da análise aos números do censo angolano, realizado em 2014, mas cujos
milhares de dados definitivos só foram divulgados na semana passada pelo
Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano.
O levantamento
entende por água “apropriada para beber” a proveniente de fontes como torneiras
ligadas à rede pública, chafarizes públicos, furos com bomba ou nascentes
protegidas, incluindo-se neste grupo 43,6% dos agregados familiares.
A disparidade
faz-se sentir entre o meio urbano e o rural, em que respectivamente 57,2% (1,9
milhões de famílias) e 22,4% (484 mil famílias) conseguem consumir água tida
como segura.
Ainda assim, a
água da rede pública com torneira em casa apenas serve 17% dos 5.544.834 de
agregados familiares (num total de população superior a 25,7 milhões de
habitantes).
Cabinda surge
como a província angolana com o melhor nível de acesso a água segura (73% das
famílias), enquanto o Cunene, no Sul, apresenta o pior registo: 23,3% dos
agregados familiares.
Angola é o
segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, com praticamente 1,8
milhões de barris de crude por dia, recursos que segundo o Governo do MPLA (no
poder há 40 anos) têm sido utilizados na reconstrução do país após quase três
décadas de guerra civil, que terminou há 14 anos (4 de Abril de 2002).
Com um forte
défice de produção de electricidade, face às necessidades, o que leva a
constantes constrangimentos no fornecimento, Angola encara ainda a inexistência
de redes para abastecer as zonas mais rurais.
O censo refere
que o acesso à rede de electricidade é apenas garantido a 1,7 milhões de casas
(31,9%), quase exclusivamente em zonas urbanas, já que na área rural apenas
48.173 agregados familiares são servidos.
O estudo
identifica que praticamente ao nível da rede eléctrica nacional (essencialmente
nos grandes centros), as lanternas são a segundo principal fonte de iluminação.
Servem mais de 1,752 milhões de famílias (31,6%) em Angola. Seguem-se em alternativa
os candeeiros (14,3%) e os geradores (9,3%).
Já no saneamento
básico – que o estudo considera como sendo a presença em casa de sanitas, pias
ou com instalações ligadas a fossas sépticas e latrinas – chegará, segundo o
primeiro censo realizado em Angola desde a independência, a 60% das famílias,
novamente com uma forte disparada entre urbano e rural: respectivamente 81,8%
(2,7 milhões de agregados) e 25,9% (559 mil).
Contudo, apenas
1,22% das famílias que moram no meio rural tinham uma sanita ligada à rede
pública de esgotos, enquanto nas cidades esse registo sobe para 6%.
Promessas metem
água.
Quarenta anos
depois da independência, 14 anos depois de alcançada a paz, o Governo diz que
quer duplicar o abastecimento de água a Luanda, província com mais de 6,5
milhões de habitantes, e levar a água potável a mais 1,5 milhões de pessoas que
moram em áreas rurais até 2017.
As metas foram
reforçadas pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, nas
comemorações do Dia Mundial da Água, 22 de Março, sendo a falta de acesso a
água potável por parte das populações mais carenciadas uma das maiores
dificuldades em Angola, estando na origem da propagação de várias doenças.
O sector da
energia e águas deverá absorver quase metade da linha de crédito que a China
concedeu a Angola para obras a realizar por empresas obviamente chinesas no
país, alocando 2.174.238.412 dólares para 34 projectos que arrancam já este
ano.
De acordo com
informação do ministro João Baptista Borges, foram entretanto feitos
investimentos na construção de novos sistemas de abastecimento de água nas
capitais de 14 das 18 províncias, estando em conclusão obras nas cidades do
Namibe e do Sumbe.
“E temos a
situação de Luanda, que é a grande prioridade, onde é necessário duplicarmos a
capacidade de abastecimento”, sublinhou o ministro.
Para garantir
este objectivo para a capital, o Governo pretende colocar em funcionamento, a
“curto ou médio prazo”, os dois novos sistemas de abastecimento de água do
Quilonga e do Bita, obras que, como tantas outras promessas, continuam a
derrapar no tempo e que chegaram a ser anunciadas para 2014.
“Vão permitir
adicionar mais 500 mil metros cúbicos [por dia] a Luanda”, enfatizou João
Baptista Borges.
Outra das metas
anunciadas pelo executivo passa por levar o Programa Água para Todos (PAT), de
abastecimento às populações rurais, a mais de cinco milhões de pessoas até
final do 2017, num investimento global que ronda 1,5 mil milhões de euros.
“É um programa de
grande visibilidade e que promove o acesso à água no meio rural. Há esse
esforço grande”, sublinhou o governante.
A execução deste
programa ultrapassou no terceiro trimestre de 2015 os 3,5 milhões de habitantes
com acesso a abastecimento de água em áreas rurais, segundo dados do Ministério
da Energia e Águas.
Contudo, conforme
objectivo do próprio programa estatal, para que se atinja a taxa de cobertura
de 80% da população rural – estimada em quase sete milhões – ainda deverão ser
beneficiados cerca de 1.576.815 habitantes.
Segundo os dados
oficiais de Setembro, 3.536.451 habitantes em zonas rurais tinham acesso a
água, de uma meta estipulada em 5.113.265 pessoas a servir até 2017.
Desde 2007, ao
abrigo deste programa, foram construídos 3.035 pontos de água – que
correspondem a um sistema em que a recolha de água é efectuada na origem,
servindo de chafariz ou lavandaria -, e com mais 395 em execução em todo o
país.
Acrescem ainda
923 pequenos sistemas de água – incluem captação superficial, tratamento e
abastecimento a mais do que um chafariz – construídos desde 2007 e mais 279 em
execução.
Em Setembro do
ano passado, o Governo anunciou que pretendia procurar reservatórios de água
subterrâneos em zonas desérticas para minimizar os efeitos dos sucessivos
ciclos de estiagem que têm afectado sobretudo o sul do país.
A posição foi
assumida pelo ministro João Baptista Borges na 59ª sessão da conferência geral
da Agência Internacional de Energia Atómica, que decorreu em Viena, na Áustria.
“Angola enfrenta
também problemas geológicos, como a erosão dos solos e períodos cíclicos de
estiagem nas áreas desérticas do país”, apontou o governante na sua intervenção
naquela reunião.
João Baptista
Borges admitiu igualmente a necessidade de obter “apoio em assistência técnica”
por parte daquela agência, “com vista à redução da erosão dos solos”,
nomeadamente ravinas, e também na “pesquisa de lençóis de água subterrâneos em
áreas desérticas”.
A estiagem no sul
de Angola tem vindo a agravar-se desde 2011, com o Governo a ter de distribuir
alimentos, devido à destruição de culturas pela seca, e a realizar captações
alternativas de água, para apoiar a população.
O Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) considerou em Junho de 2015 que é
provável que a malnutrição aguda em Angola tenha aumentado nos últimos três
anos devido à estiagem em algumas províncias.
Em Julho de 2015,
só no Cunene, o Governo tinha identificado 755.678 pessoas afectadas pela seca
que assola aquela província no sul, bem como 508.483 cabeças de gado que
corriam o risco de morrer em consequência da situação.
Na mesma
província foi noticiado o caso do município do Curoca, em que mais de 40 mil
pessoas necessitavam de ajuda alimentar e de água devido à seca, com a
população a recorrer a apoio na vizinha Namíbia.
A situação em
África
Perto de 750
milhões de pessoas continuam sem acesso a água potável, “sobretudo os pobres e
marginalizados”, apesar dos progressos registados nos últimos anos, alerta a
Unicef.
“A água é a
própria essência da vida e, contudo, três quartos de mil milhões de pessoas —
sobretudo os pobres e os marginalizados — continuam a ser privados deste
direito humano básico”, afirmou Sanjay Wijesekera, responsável pelos programas
globais da Unicef para a Água, Saneamento e Higiene, citado num comunicado do
Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Segundo o texto,
desde 1990, “cerca de 2,3 mil milhões de pessoas passaram a ter acesso a fontes
melhoradas de água para beber” e “a meta dos Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio de reduzir para metade a percentagem da população global que não tinha
acesso até então foi alcançada cinco anos antes do prazo de 2015″.
“Actualmente, são
apenas três os países onde mais de metade da população não tem acesso a água
potável melhorada: a República Democrática do Congo, Moçambique e Papua Nova
Guiné”, adianta o comunicado.
Dos 748 milhões
sem acesso a água potável, 90% vivem em zonas rurais e 325 milhões (dois em
cada cinco) vivem na África Subsaariana, 112 milhões na China e 92 milhões na
Índia.
“Para as
crianças, a falta de acesso a água segura pode ter consequências trágicas”,
assinala a UNICEF, adiantando que “em média, perto de mil crianças morrem por
dia devido a doenças diarreicas relacionadas com água imprópria para beber,
saneamento precário ou pouca higiene”.
O Dia Mundial da
Água, que se celebra desde 1994, é assinalado no dia 22 de Março, chamando a
atenção para a necessidade de preservar este importante recurso natural.
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