ISAÍAS
SAMAKUVA
LISBOA
25 DE
MARÇO DE 2015
Minhas senhoras
e meus senhores:
Foi com muito
prazer que aceitei o convite que me foi formulado para transmitir ao povo
português, nesta casa da democracia, uma mensagem importante do povo angolano.
Permitam-me em
primeiro lugar saudar a todos os presentes e agradecer aos Senhores deputados
Ribeiro e Castro, Miguel Santos e João Soares, organizadores deste evento, a
oportunidade que nos proporcionaram. Quero agradecer também o grupo de senhoras
composto pelas Dras. Maria Antónia Paula, Sande Lemos, Margarida Meyer e Celeste Rola pela sua amizade, simpatia e
pela sua dedicação à causa da Justiça, da Paz e Democracia em Angola.
Desde a proclamação da sua independência,
Angola organizou três processos eleitorais: o primeiro em 1992, o segundo em
2008 e o terceiro em 2012. Nenhum deles foi transparente. Está agora em vias de
organizar o quarto processo eleitoral, que deverá estar concluído em 2017,
altura em que termina o mandato constitucional do Presidente José Eduardo dos
Santos.
Através da análise comparativa dos processos
eleitorais de 1992, 2008 e 2012, propomo-nos discutir nesta conferência a
relação necessária entre a estabilidade do regime democrático, a
competitividade das eleições e a alternância ideológica do poder político.
Explicaremos também
como as instituições democráticas angolanas
são subvertidas, as regras de jogo são sempre viciadas e os resultados
eleitorais são pré ordenados.
Discutiremos ainda em que medida a riqueza
injustificada detida pelos actuais detentores do poder constitui um sério
obstáculo à transparência dos processos eleitorais e à efectiva democratização
do país. Por fim, avaliaremos as ameaças que espreitam a organização das
eleições marcadas para 2017 e as razões porque Angola já não tem condições para
suportar uma nova fraude.
Para
que as eleições cumpram a condição de jogo iterativo, os actores políticos devem
aderir à democracia, o que implica aceitar uma eventual derrota nas eleições. Segundo
Przeworski, quem quer que seja o vencedor hoje, não pode utilizar o cargo para impedir
que as forças políticas adversárias vençam na próxima ocasião (Przeworski et
alii,1997:132). Ou seja, não pode subverter o sistema democrático para passar
por cima de seus resultados (Przeworski,1994:49).
Infelizmente, esta tem sido a conduta
do regime angolano desde o início da transição constitucional para a
democracia, negociada aqui em Portugal, em 1991.
Para
se compreender o processo de radicalização dos actores políticos no contexto
das eleições de 1992, importa recordar alguns aspectos do contexto daquela
disputa eleitoral:
Na sequência
do fim da guerra fria, em Angola houve uma solução negociada do conflito
internacional que envolvia o País há 16 anos. Esta solução incluía a fusão de
dois exércitos e a realização de eleições “democráticas” em 16 meses, sem
contudo existirem ainda instituições democráticas. Estas eleições polarizaram o
espaço político entre as duas forças políticas que protagonizaram o conflito
militar e seus aliados .
De um
lado, tínhamos a candidatura da UNITA e do seu Presidente, Dr. Jonas Malheiro
Savimbi, e do outro a candidatura do MPLA e do seu Presidente, Eng. José
Eduardo dos Santos. O primeiro representava a mudança de regime e o segundo
representava a continuidade .
A campanha eleitoral foi intensa, o
povo participou massivamente e votou com civismo numa eleição que se revelou
competitiva e que foi realizada num ambiente de baixa estabilidade.
Porém,
não houve cadernos eleitorais e, como foi revelado mais tarde, os acessos aos
códigos de segurança do programa informático que fazia a tabulação dos
resultados, estavam viciados. De tal forma viciados, que qualquer técnico do
Conselho Nacional Eleitoral tinha acesso ao programa e podia alterar o
resultado da eleição sem deixar rasto.
Basta
referir, por exemplo, a seguinte questão apresentada pela Representante das
Nações Unidas, Sra. Margareth Anstee, ao Dr. Savimbi numa reunião feita no
Huambo, na presença dos países que
compunham a troika, quando se procurava resolver o diferendo que havia levado à
suspensão da contagem dos resultados da eleição presidencial.
“Dr.
Savimbi, se os resultados forem recontados e revelarem a necessidade de uma
segunda volta, o Senhor aceita participar numa segunda volta”?
O Dr.
Savimbi respondeu dizendo que sim, participaria.
Regressados
a Luanda, naquele mesmo dia, a diferença de votos entre um e outro candidato
arranjou-se de formar a exigir a segunda volta das eleições.
Porém,
a verdade é que nunca houve segunda volta. A meio da tensão e turbulência
políticas, que se gerou, o Presidente do MPLA mudou de campo ideológico e
forjou realinhamentos políticos para se manter no poder. A imprensa
internacional foi utilizada para veicular e certificar a versão oficial dos
interesses realinhados. Os dirigentes da UNITA que negociavam com os dirigentes
do MPLA os mecanismos para a realização da segunda volta foram assassinados em
pleno processo negocial, nos últimos dias de Outubro de 1992 e os seus corpos não foram devolvidos até
hoje.
O
conflito reacendeu, os factos foram deturpados e fez-se circular a versão
segundo a qual o conflito reacendeu porque Savimbi ‘rejeitou’ os resultados
eleitorais e voltou para as matas. Quando, na verdade, no quadro do processo
negocial, tais resultados haviam sido aceites e reconhecidos por carta dirigida
ao Secretário Geral das Nações Unidas em 15 de Outubro de 1992.
Anos
mais tarde, a firma norte-americana Kenotek, LLC. procedeu a uma revisão dos
programas fontes, da arquitectura do sistema e das aplicações informáticas que
serviram de base para a tabulação dos resultados eleitorais de 1992 e concluíu o
seguinte:
§ o
desenho da arquitectura do sistema utilizado e seus mecanismos de segurança não
foram concebidos de acordo com os padrões da indústria;
§ O
sistema utilizado é bastante vulnerável a erros, modificações arbitrárias e
corrupção, sem deixar rasto;
§ Seus
resultados não podem ser credíveis porque manipuláveis.
§ O
arquivo designado Reppre.prg foi
utilizado para substituir os resultados apurados nas eleições presidenciais por
outros. Para o efetito, foram utilizados valores externos por via do programa “MPxx”. A CNE
recusou-se a partilhar ou mostrar o conteúdo deste programa que foi crucial na
fabricação da vitória atribuída ao MPLA.
§ O
arquivo VV1.dbf contém mais 1114 dados do que o arquivo “votos.dbf”. Evidencia
que mais dados foram adicionados ao sistema apenas para baralhar qualquer
investigação dos resultados.
§ O
arquivo “Votos.dbf” contém os dados eleitorais. As colunas com os números dos
votos não têm os nomes dos candidatos associados a eles. A única maneira de a
CNE associar MP8 e MP11 a alguém é por via de um program específico, por ela concebido.
Isto significa que o funcionário da CNE poderia incluir qualquer nome,
incluindo o seu, e atribui-lo o número de votos que quisesse. Qualquer pessoa,
real ou imaginária, poderia ser declarada vencedora da eleição. Esta constitui
uma ruptura séria na integridade do processo eleitoral.
Eleições de 2008
Nas
eleições de 2008, o contexto político era outro. A paz militar definitiva havia
sido alcançada seis anos antes e o lider fundador da UNITA já não estava vivo.
O regime já não via na UNITA o perigo que via em 1992. Por isso, tirou claramente
a luva da democracia e exibiu as garras da sua natureza autoritária: pisoteou a
liberdade de expressão, atrofiou o pluralismo político, partidarizou os órgãos
de comunicação social públicos, organizou actos de intolerância e violência
política contra a UNITA e institucionalizou o terror e a corrupção. Estava
restaurado na prática o regime ‘totalitário de Partido único’ e sua máquina
propagandística contra as liberdades democráticas. Não ficaram apenas por aqui.
Criaram um outro órgão, a actual Comissão Nacional Eleitoral – CNE –. Mas
com um detalhe importante: esvaziaram as suas competências e comprometeram a
sua independência. Este órgão formalmente independente deixou de ser
responsável pela execução dos actos materiais de registo eleitoral e pela
produção dos cadernos eleitorais. Deixou de ter também uma composição
equilibrada como garantia da sua imparcialidade e independência.
O
poder judicial havia afirmado em Acórdão que os mandatos anteriores do
Presidente Eduardo dos Santos não contavam e que, a partir daquele ano, o
Presidente do MPLA se quisesse, estava livre para concorrer à eleição e exercer
o seu primeiro mandato como Presidente da República.
Ainda
assim, o Presidente José Eduardo dos Santos ignorou a Constituição e não
convocou eleições presidenciais. Convocou eleições legislativas e manipulou-as
para obter uma maioria qualificada sem precedentes de 82%, o que lhe permitiu
proceder em seguida a um novo golpe constitucional.
O
contexto econômico também era diverso: por um lado, após uma sucessão de planos
econômicos falhados e tentativas desastrosas de se controlar a inflação, o
Governo conseguiu trazer a estabilidade macro-econónima, que reflectia
positivamente sobre a estabilidade política. Por outro, os campos de petróleo
descobertos em águas profundas no início do século estavam em produção estável,
o que triplicou as receitas fiscais do Estado e propiciou a construção de
alianças diversas que sustentaram e apoiaram a fraude eleitoral generalizada.
Portanto, o quadro político-económico
em que se realizaram as eleições de 2008 era um de alta estabilidade política e
de baixa competitividade eleitoral.
A Atitude da UNITA
A
UNITA foi alvo de forte pressão popular para não aceitar os resultados das
eleições e não integrar as instituições
delas resultantes.
Porém,
para preservar o clima de Paz e da estabilidade, a Direcção da UNITA optou por
“engolir sapos” e aceitar os resultados desta eleição claramente fraudulenta.
Eleições de 2012
No
entanto, a excessiva concentração do poder político e económico num órgão
unipessoal do Estado, a supressão efectiva do Parlamento e do poder judicial
como poderes sindicantes, a transformação do Estado numa holding empresarial
detida por membros do Partido-Estado, transformaram Angola numa república sem
republicanismo e o Estado angolano numa entidade que se comporta à margem da
lei.
De
facto, de 2008 a 2012, aumentaram vertiginosamente as desigualdades sociais, o
Estado tranformou-se numa entidade violadora dos direitos fundamentais dos
cidadãos e promotora da institucionalização da endemia da corrupção. O
enriquecimento injustificado dos detentores do poder público tornou-se uma
ameaça à paz social. O presidente
abandonou a política de compromisso, radicalizou as suas posições e
enveredou pela violação grosseira das regras democráticas ainda na preparação
do processo eleitoral de 2012. A UNITA documentou as violações, denunciou-as
publicamente e perante a Comissão Nacional Eleitoral ma sem resultados.
O povo protestou em massa contra tais
violações e sob convocação da UNITA, em Maio de 2012 mais de um milhão de pessoas
aderiu à manifestação realizada em simultâneo em todas as províncias do país. As
eleições de 2012 foram, por isso, de
alta competitividade realizadas num ambiente de baixa estabilidade política.
A Fraude eleitoral de 2012
Ninguém
sabe ao certo quem foi o vencedor real do pleito, porque a fraude eleitoral
orquestrada pelo Presidente JES em 2012 foi um processo complexo bem planeado,
executado durante cerca de dois anos, que envolveu actos ilícitos declarados
puníveis pela lei penal. Por isso, foi objecto de uma queixa crime apresentada
junto do Procurador Geral da República em 11 de Março de 2013, suportada por
123 provas documentais e pela identificação de 57 individualidades que se
declararam disponíveis para prestar declarações e fornecer provas adicionais
para apoiar a investigação.
Em síntese, a UNITA participou ao
Digno Procurador geral da República de Angola que, o Presidente José Eduardo
dos Santos, ao convocar o povo angolano por via do Decreto Presidencial n.º
93/12 de 24 de Maio para exercer o poder político no dia 31 de Agosto de 2012,
através da eleição a ser organizada nos termos da Constituição e da Lei
Orgânica Sobre as Eleições Gerais (Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro, LOEG), traíu a Nação, porque, a partir
de meados de 2011, o Engº José Eduardo dos Santos, abusando das suas funções de
soberania, enquanto Presidente da República e Comandante em Chefe das Forças
Armadas Angolanas, criou, equipou e financiou, com o erário público, uma
estrutura páramilitar clandestina para organizar e controlar as eleições gerais
de 2012.
Foi
esta estrutura clandestina que dirigiu,
conduziu e executou operações de falsificação de
documentos eleitorais, fraudes com boletins de voto, fraudes com cadernos
eleitorais, fraudes com actas das assembleias eleitorais e de sabotagem do sistema de apuramento e transmissão dos resultados
eleitorais, tudo com o objectivo de impedir o exercício da soberania popular e
permitir que o Presidente Indiciado tomasse e exercesse o poder político por
formas não previstas nem conformes com a Constituição.
A UNITA
informou em detalhe, a forma dolosa como os actos foram planeados e executados
em três fases:
a) Em primeiro lugar, José
Eduardo dos Santos obteve o controlo absoluto da Administração eleitoral
independente por ter lá colocado em posição de autoridade e em maioria
qualificada, pessoas de sua confiança, capazes de violar ou ignorar o juramento
que fizeram de defender a Constituição e obedecer apenas à lei.
b) Em segundo lugar, violou
a lei por ter utilizado para o apuramento final da vontade soberana do povo
documentos eleitorais inválidos, distintos daqueles onde tal vontade foi
inicialmente manifesta, e que foram preenchidos e assinados nas mesas de voto
pelos agentes eleitorais oficiais. Utilizou actas falsas, com resultados
falsos, pré ordenados por si. NUNCA FORAM PUBLICADOS OS CADERNOS ELEITORAIS.
NUNCA FORAM PUBLICADOS OS RESULTADOS POR MESA. OS RESULTADOS QUE FORAM LIDOS
E ATRIBUIDOS AOS PARTIDOS POLITICOS NÃO
FORAM OS APURADOS NAS MESAS. AS ACTAS QUE SERVIRAM DE BASE PARA O ANÚNCIO
OFICIAL DOS RESULTADOS NÃO FORAM AS ACTAS OFICIAIS, ESTABELECIDAS POR LEI E
ASSINADAS PELOS REPRESENTANTES DOS PARTIDOS POLÍTICOS. FORAM OUTRAS ACTAS
PRODUZIDAS PELA ESTRUTURA CLANDESTINA. AS ACTAS OFICIAIS SÃO COR DE ROSA. AS
ACTAS QUE FORAM LIDAS E QUE SERVIRAM DE BASE PARA O APURAMENTO FINAL SÃO DE COR
BRANCA.
c) Em terceiro lugar,
sabotou o sistema legal de transmissão e transporte dos resultados obtidos
pelas candidaturas em cada mesa de voto, por ter estabelecido pontos de destino
dos facsmiles diversos dos prescritos
na lei. Para efeitos do apuramento provisório, o artigo 123º da LOEG manda os
Presidentes das Assembleias de Voto transmitir as actas síntese apenas às Comissões Provinciais
Eleitorais. Através do Presidente da CNE, eles mandou transmitir as actas
síntese ao Centro de Escrutínio Nacional, em Luanda, para fins ilegais
criminosos.
E mais:
NÃO HOUVE PORTANTO
APURAMENTO PROVINCIAL COMO MANDA A LEI. Apesar das dezoito Comissões
Provinciais Eleitorais terem recebido facsmiles de actas eleitorais, nenhuma
delas centralizou os resultados eleitorais obtidos na totalidade das mesas de
voto constituídas dentro dos limites territoriais de sua jurisdição para
proceder, assim, ao apuramento dos resultados eleitorais a nível da Província,
como prescreve a Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais nos artigos 123º, nº2 e
125º.
Ficaram à espera do
resultado do apuramento feito pela estrutura clandestina do Presidente, que
controlava a “base de dados central”, no Centro de Escrutínio Nacional, em
Luanda, através de oficiais superiores dos serviços de inteligência militar,
dirigidos pelo General Kopelipa, que foram infiltrados na estrutura oficial da
Comissão Nacional Eleitoral como “consultores”.
Lê-se nos autos que não houve, em nenhum círculo
eleitoral, apuramento provincial feito pelas estruturas provinciais da CNE. Eis
o texto:
“Por ordem de José Eduardo dos Santos, através do General Kopelipa, do
Coordenador do Centro de Escrutínio Nacional, Edeltrudes Costa, ou do
Presidente da CNE, André da Silva Neto, as Comissões Provinciais Eleitorais não abriram os envelopes
lacrados contendo as actas das operações eleitorais, para, a partir delas, e só com base nelas, apurar o número
total de votos obtidos por cada lista, procedendo assim ao apuramento
provincial definitivo, como estabelecem o nº 1 do art. 126º e o art. 128º da LOEG”.
O seguinte gráfico ilustra bem como se processou
a fraude electrónica:
|
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DADOS DO REGISTO ELEITORAL
CNE
ASSEMBLEIAS DE VOTO
APURAMENTO
OFICIAL
CNE
MESAS
DE VOTO
FRAUDE
A linha azul representa os fluxos oficiais das
actas de apuramento eleitoral. Parte das mesas de voto para as Comissões
Provinciais Eleitorais.
No entanto, como demonstra a linha vermelha, as
actas produzidas nas mesas de voto não foram as mesmas que foram contabilizadas
nos centros de escrutínio provincial.
Aí surgiram outras actas, com resultados pré
ordenados, produzidas pela estrutura clandestina e enviadas directamente para o
centro de escrutínio nacional. Daí, os agentes da segurança de Estado dirigidos
pelo Chefe da Casa Militar do Presidente da República e infiltrados na CNE como
“consultores técnicos” levaram as actas com os resultados fraudulentos para
serem assinadas pelos comissários eleitorais.
A Comissão Nacional Eleitoral nunca refutou os
factos aduzidos acima.
Cerca
de duas semanas mais tarde, em 27 de Março de 2013, o Procurador geral da
República declarou-se incompetente para conhecer e investigar a participação da
UNITA. A UNITA recorreu dessa decisão ao Tribunal Supremo em Abril de 2013.
Passaram-se dois anos e o Tribunal ainda não se pronunciou sobre o assunto.
Isto
significa que as instituições legítimas do Estado, seus órgãos de soberania,
demitiram-se das suas responsabilidades fiscalizadoras de garantir a supremacia
da Constituição e da lei. E é nesse ambiente de irresponsabilidade política e
de agressão ao estado de direito que estão
a preparar as eleições gerais marcadas para 2017.
A preparação das eleições de 2017
Contrariamente
ao disposto nos artigo 107º e 117º da Constituição da República, o Senhor
Presidente da República JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS remeteu à Assembleia Nacional,
no passado mês de Dezembro uma proposta
de lei do registo eleitoral, QUE ATRIBUI
A SI PRÓPRIO AS COMPETÊNCIAS DE ORGANIZAR
E EXECUTAR O REGISTO ELEITORAL, DECIDINDO, PORTANTO QUEM VOTA E QUEM NÃO
VOTA. ELE PRETENDE construir uma nova
base de dados do registo eleitoral para ser utilizada nas eleições gerais de
2017. Esta nova base de dados deverá excluir os angolanos residentes no
estrangeiro; e deverá manter activos por um período de vinte anos o registo dos
cidadãos já falecidos. A sua manutenção deve ser feita pelas Administrações
Municipais, que são órgãos partidarizados da administração central do estado,
subordinados, portanto, ao Presidente da República que será candidato à
eleição. Todos os Administradores municipais são dirigentes do Partido MPLA,
responsáveis pelos actos de violência política contra os cidadãos de outros
partidos e também potenciais candidatos à eleição.
Angola já possui ‘bancos de dados’ do registo
eleitoral de cerca de nove milhões de
cidadãos que foram registados no período de 2007 a 2012. Este bancos de dados
foram recentemente auditados pela Delloitte e estão operacionais. A proposta de
lei que o Presidente José Eduardo dos Santos submeteu à aprovação da Assembleia
Nacional é inconstitucional, porque a Constituição já estabeleceu uma
Administração eleitoral independente a quem atribuiu a competência de efectivar
o registo eleitoral.
Ademais,
o princípio da reserva da Constituição consagrado no artigo 117º estabelece que
as competências do Presidente da República são as fixadas na Constituição, e
não outras. A lei ordinária não pode atribuir competências ao Presidente da
República nem ao Titular do poder executivo. E muito menos competências que a
Constituição já atribui a um outro órgão.
Nos
termos da Constituição, o titular do Poder Executivo do Estado não tem NENHUMA
competência em matéria eleitoral (107º, 117º CRA). Ao concretizar a CRA, o
artigo. 211º da Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (Lei nº 36/11, de 21 de
Dezembro), retirou o registo eleitoral da alçada do Executivo.
Mas se
a Constituição é clara, porque razão o Senhor Presidente da República de Angola
pretende ofendê-la para criar ele mesmo novas bases de dados do registo
eleitoral para serem utilizadas nas eleições?
Por
duas razões: primeiro para obstruir selectivamente o exercício do direito de
voto a milhões de eleitores que lhe sejam adversos. Segundo, para garantir a
interação da sua base de dados com outras ligadas ao processo do escrutínio, e,
assim, viciar electrónicamente a vontade popular, tal como fez em 2012.
De facto, a taxa de abstenção de 37%, que se verificou no dia 31
de Agosto de 2012, está muito acima do nível histórico de 13% que se verificou
tanto em 1992 como em 2008, como se evidencia no seguinte quadro comparativo:
Ano Eleitores Total Taxa
de
Eleitoral Registados Votantes (%) Abstenção(%)
1992 4,828,626 4,196,338 87 13
2008 8,307,173 7,213,281 87 13
2012 9,757,671 6,124,669 63 37
O
número de eleitores que no dia da eleição deixaram suas casas para ir votar
ultrapassa os oito milhões e quatrocentos mil. Destes, apenas 6124669 conseguiram
votar. Os demais foram excluídos e obstruídos. Seus nomes
apareceram misteriosamente registados como eleitores de outras localidades a
centenas de quilómetros de distância. Pessoas residentes em Luanda, por
exemplo, e que sempre votaram em Luanda, foram arbitrariamente transferidas
pelo sistema para irem votar no Huambo. Pessoas residentes em Cabinda foram
transferidas para irem votar no Moxico. E sem qualquer aviso prévio.
Isto
só foi possível por dolo. As bases de dados do registo eleitoral, sob custódia
dos serviços do Senhor Presidente da República, foram manipuladas para obstruir
o exercício do direito de voto de mais de dois milhões de eleitores
seleccionados. Este crime teve a participação de peritos de informática do
Ministério da Segurança da China e dos serviços de inteligência afectos à Casa
Militar do Presidente da República.
Agora,
para 2017, parece que o Senhor Presidente da República quer deter novamente o
controlo da base de dados do registo eleitoral. Como a lei mudou e por força
dela já não o deve ter, pretende aprovar uma nova lei para conferir cobertura
legal aos actos inconstitucionais de subversão da democracia.
Além
de inconstitucional, a proposta de lei do Executivo ofende o princípio da transparência e
propicia a estruturação da fraude eleitoral, porque não permite a fiscalização
da base de dados que o Presidente da República criar.
Tal
como sucedeu na Costa do Marfim, no
Burkina Fasso e mais recentemente na República Democrática do Congo, a
proposta de lei do Presidente angolano constitui uma tentativa subtil de
alterar a ordem constitucional para permitir o exercício monárquico do poder
republicano. Este tipo de comportamento esteve na origem dos conflitos nos
países citados e poderá também perigar a estabilidade em Angola.
Quatro
dos cinco grupos parlamentares rejeitaram esta proposta. No entanto, ela já foi
aprovada na generalidade apenas com os votos do MPLA. Constitui, por isso, um
forte factor de instabilidade.
Os
angolanos toleraram as fraudes anteriores na esperança de manter o país social e economicamente estável e
para que esta situação PROPORCIONASSE OPORTUNIDADE PARA SE FAZER REFORMAS DAS
INSTITUIÇÕES, ADOPTAR A CULTURA DEMOCRÁTICA E DE TOLERÂNCIA E
DE UMA GOVERNAÇÃO TRANSPARENTE. Mas, os angolanos constataram que não
têm liberdade nem democracia. Não têm comida, nem água, nem luz. Não têm
empregos e veêm uma classe de predadores que utiliza o Estado para
enriquecimento ilícito ou injustificado a querer manter-se no poder atravês de processos
eleitorais viciados.
Face a
esta realidade, PREOCUPA-NOS IMENSO CONSTATAR QUE, ESPECIALMENTE A CAMADA MAIS
JOVEM, por todos os cantos do país por onde passamos, transmite-nos a mensagem de que os angolanos estão cansados e
que já não vão suportar mais uma nova fraude! Estão aqui os representantes
eleitos do povo, os nossos deputados que todos os dias recebem esta mensagem e
que são pressionados a tomar medidas para parar com o flagelo das fraudes
eleitorais e aliviar o sofrimento do povo.
O Impacto da riqueza
É
nosso parecer que a proposta de lei do registo eleitoral é o primeiro passo na
configuração da fraude para 2017 e visa também proteger as fraudes financeiras,
porque o que sucede em matéria eleitoral sucede também no domínio das finanças
públicas. Eu explico-me:
Para acautelar eventos contra cíclicos, com
significativo impacto na arrecadação da receita, Angola dispõe de dois fundos
que integram o conceito de Reservas Internacionais Líquidas: o Fundo do
Diferencial do Preço do Petróleo e a Reserva Estratégica Financeira Petrolífera
para Infra-estruturas de Base.
Fundo do
Diferencial do Preço do Petróleo
Este Fundo é capitalizado com o excesso do
preço de venda do petróleo relativamente ao preço de referência fiscal
estabelecido no OGE. Nos últimos quatro anos, terão entrado para este Fundo
cerca de $37 mil milhões de dólares,como se demonstra:
2011 2012 2013 2014
Producão diária (Milhões BL/dia) 1,6 1,73 1,72 1,66
Preço médio REAL do pet. ($/BL) 111.26 116.6 107.7 104.4
Preço médio utilizado no OGE ($/BL) 68.0 77.0 96.0 98.0
Diferencial no preço (S/BL) 43.26 39.6 11.7 6.4
Produção total (Milhões barris) 587.9 631,9 626,3 604,4
Estimativa
da Produção (60%)
que
se traduz em receitas fiscais
para
efeitos de OGE (Milhões BLs) 352.7 379,1 375,8 362,6
Valor da reserva (Mil Milhões USD) 15.3 15.0 4.4 2.3
O
Executivo não explica onde pára este dinheiro!
Reserva
Estratégica para Infra-Estruturas de Base
Este Fundo foi criado nos termos do nº 1 do
artigo 6º das Lei 26/10, de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento Geral do Estado
para o Exercício Económico de 2011 (mantendo-se a disposição nas leis
subsequentes), para garantir o financiamento de projectos em infra-estrutura de
bases constantes do Programa de Investimentos Públicos.
Importa clarificar que, a partir da
interpretação do que figura na legislação vigente, parte da receita resultante
dos direitos patrimoniais do Estado nas concessões petrolíferas (cerca de 93%),
constituem receita consignada a Reserva Estratégica Financeira Petrolífera para
Infra-estruturas de Base.
Nos últimos quatro anos, este fundo terá
acumulado cerca $93 mil milhões de dólares. A evolução desta receita arrecadada
foi a seguinte:
2011 2012 2013 2014
Concessionária Sonangol
(Mil milhões USD) 20.8 28.0 24.5 19.8
(Fonte: Ministério das Finanças)
Decorre da legislação que a gestão da Reserva
Financeira Estratégica para Infra-estruturas de Base compete ao Presidente da
República, enquanto titular do Poder Executivo. O Senhor Presidente da
República nunca apresentou um relatório da utilização deste fundo. APESAR DE
TER SIDO SOLICITADO VÁRIAS VEZES PELOS DEPUTADOS NA ASSEMBLEIA NACIONAL, o
Executivo não explica onde pára este dinheiro!
Naturalmente, perante esta situação, os
detentores do poder político e gestores desses fundos, têm todo o interesse de
se manter no poder, pois qualquer mudança pode permitir desvendar o destino que
se tem dado a estes fundos.
Quando cogitava
sobre o tema desta conferência, lembrei-me das palavras proferidas pelo Dr.
Pedro Passos Coelho, há cerca de dois anos, em Fevereiro de 2013, na sequência
dos resultados das eleições italianas. Vou citá-las: «A estabilidade política,
não sendo um valor em si mesmo, é um elemento muito importante nos tempos que
estamos a viver.... assim que houve notícia razoavelmente firme de que o
resultado das eleições não antecipa um governo estável em Itália, a bolsa
italiana afundou e os títulos da dívida pública italianos, espanhóis e
portugueses e de outros países tiveram um agravamento...isto mostra que ainda
existem elementos de carácter sistémico que não dependem estritamente de cada
país mas que têm impactos significativos nas economias de outros países.
De igual modo,
uma possível instabilidade política em Angola terá efeitos nos títulos da dívida
pública detidos por investidores em Portugal, na China, nos EUA e em outros
países. Terá efeitos maiores na saúde financeira das cerca de 9.000 empresas
portuguesas que exportam para Angola, na vida dos cerca de 150.000 portugueses
que vivem em Angola e na economia de centenas de milhares de famílias portuguesas que
beneficiam do comércio bilateral entre os nossos dois países, que já atingiu
nos últimos anos a cifra de € 3 mil milhões de Euros.
A
estabilidade política em uma democracia deve ser compatível com a alternância
do poder, em todos os níveis - entre partidos, os da situação e da oposição, e
também entre os da direita, do centro e da esquerda. Quanto maior for a capacidade de um
regime manter-se estável frente a todas estas formas de alternância, maior será
o grau de poliarquia deste regime. Ou seja, alternam-se os governos (no caso,
uma alternância simultaneamente ideológica, partidária e entre situação e
oposição), mas mantém-se o regime democrático, que é estável.
Este é o obejctivo da UNITA. Queremos
assegurar aos investidores, queremos dizer aos parceiros comerciais de Angola,
aos cidadãos portugueses que trabalham em Angola que é possível cooperar com
Angola sob um regime democrático. A estabilidade é possível porque a a
alternância é possível. Impedir ou obstruir a alternância através de fraudes
eleitorais é que fomenta a instabilidade, e não o contrário.
Pedimo-vos que transmitam esta mensagem
singela ao povo português, aos investidores, aos trabalhadores e especialmente
aos jovens que talvez desejem transformar Angola na sua segunda Pátria. Há
muito trabalho e muitas oportunidades para eles no nosso belo país. Precisamos,
por isso, de trabalhar juntos agora para que Angola não descarrile novamente
para a instabilidade.
Muito obrigado.
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