03/06/2015 Fonte : Unitaangola
CONFERÊNCIA
DE SUA EXCIA. ISAÍAS SAMAKUVA PRESIDENTE DA UNITA
BENGUELA 2 DE JUNHO DE 2015
Minhas senhoras e meus senhores:
É um prazer para mim saudar esta magnífica audiência, um dia depois da
observância do dia internacional da criança e dois dias depois do vigésimo
quarto aniversário dos Acordos de Paz Para Angola, firmados em Portugal, em 31
de Maio de 1991. E é exactamente do 31 de Maio que eu achei falar-vos e que vai
ser, por isso, o tema central do meu pronunciamento. De facto, perante a
atitude que nos últimos tempos transparece do discurso oficial, achei que devia
fazer algumas considerações sobre esta data.
O dia 31 de Maio não consta da lista oficial dos feriados nacionais. Porém,
depois do dia 11 de Novembro de 1975, nós, na UNITA, consideramos que o dia 31
de Maio de 1991 é um dos dias mais importantes da nossa história
política.
Se em 1975 Angola nasceu como estado independente, foi em 31 de Maio de 1991
que os angolanos firmaram os alicerces para a construção de uma “nova
independência”, digamos, para a construção de um futuro inclusivo e partilhado
por todos. Um futuro de liberdade, reconciliação e prosperidade para todos.
Os alicerces dessa construção são os Acordos de Paz Para Angola, assinados em
Portugal pelo Presidente da República, Eng. José Eduardo dos Santos e pelo
Presidente da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi. Foram mediadores dos Acordos
três governos: dois que estiveram envolvidos na guerra pós-colonial angolana, o
governo da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o governo dos
Estados Unidos da América; e o governo que foi um dos principais responsáveis
pelo conflito político pós independência, o Governo de Portugal.
É isto o que me proponho fazer nesta conferência. A partir da análise de
Bicesse, proponho-me a dialogar convosco, escutar as vossas questões e
reflectir conjuntamente sobre as melhores saídas para a crise política, social
e financeira que o país enfrenta. Quais os passos que podemos dar juntos para
fazermos como nação uma mudança estável, sem convulsões. E para o benefício de
todos.
O conflito angolano tem raízes geopolíticas, económicas e culturais, que datam
de antes da independência. Angola emergiu para a autodeterminação e proclamou a
independência em meio de disputas geopolíticas entre a URSS e os Estados
Unidos.
No seu esforço de dominar o mundo por via do ideal comunista, a União Soviética
pretendia controlar as rotas do comércio marítimo da África austral; explorar
os vastos recursos minerais da África austral que sustentam a indústria bélica
e não só; e influenciar o destino dos povos dessa região. Para o controlo de
Angola, promoveu, por isso, ligações estreitas com o Partido Comunista
Português e o envio de forças expedicionárias cubanas para garantir o controlo
político de Angola independente pelo movimento que se afirmava pró-comunista e
aliado do Partido Comunista Português, o MPLA.
Os Estados Unidos, por sua vez, tencionavam conter e fazer retroceder o avanço
comunista. Quando se aperceberam dos avanços soviéticos, passaram a apoiar mais
decididamente a FNLA.
Portugal não tinha e nunca teve capacidade para gerir e desenvolver as riquezas
de Angola, que as superpotências cobiçavam. Assim, surgiu em 1974, uma
revolução em Portugal, que originou o colapso do Estado-cliente português,
ruído em grande parte pelo fardo das guerras nas suas colónias africanas.
No plano interno, Portugal decidiu encetar o processo de descolonização e
assinou com os nacionalistas angolanos em Janeiro de 1975, o Acordo do Alvor,
que estabeleceu os termos da descolonização: eleições para uma Assembleia
Constituinte escrever a Constituição, formação de um exército único, um governo
de transição e a data para o Presidente da República portuguesa proclamar a
independência de Angola. No fim, não houve eleições; não houve Constituição
democrática; e não houve independência proclamada pelo Governo português e
reconhecida por todos. Houve, sim, exércitos invasores, muita confusão e
Portugal fugiu e entregou o poder ao MPLA, violando os Acordos do Alvor e
deixando os angolanos divididos, impreparados e vulneráveis.
Até por volta de 1987-1988, os angolanos em conflito não estabeleceram
quaisquer contactos entre si para a paz. Nessa altura, combatiam em Angola
forças regulares cubanas e sul-africanas, conselheiros militares soviéticos,
alemães, americanos e outros; mais de 200,000 angolanos estavam engajados em
actividades militares.
Em Dezembro de 1988, foram assinados os Acordos de Nova York, que estabeleciam
os termos para a saída das forças estrangeiras de Angola e abriam o caminho
para os angolanos resolverem a sua parte do conflito.
Em 1990, a UNITA controlava 70% do território, tinha um exército superior a
100.000 homens e uma Administração própria que administrava o povo e o
território sob sua jurisdição. O MPLA controlava 30% do território. A economia
offshore baseada no petróleo dependia dos Estados Unidos que, ironicamente,
sustentavam a guerra de duas maneiras: de um lado, extraiam e revendiam o
petróleo angolano e facilitavam a fuga de capitais para Wall Street e paraísos
fiscais. Do outro lado, forneciam ajuda militar a uma das partes, à UNITA, a
força angolana que, no plano ideológico, partilhava os mesmos valores que os
Estados Unidos defendiam: liberdade, pluralismo, democracia e mercado
livre.
Enquanto isso, as instituições políticas eram frágeis e sem legitimidade. A
fuga dos quadros portugueses em 1975, conjugada com o alargamento da guerra, de
1976 a 1989, levou ao colapso quase completo da indústria e do comércio. Pouco
restou de capacidade produtiva, infraestrutura ou instituições. Dezenas de
municípios nunca tiveram a administração do Estado; apenas conheceram a
presença da UNITA. Havia dois exércitos potentes e bem equipados, duas administrações
territoriais e duas economias no mesmo país, Angola.
A UNITA não reconhecia a legitimidade do Governo do MPLA que tomou o poder pela
força com a ajuda de Portugal e dos cubanos em 1975. E o Governo do MPLA não
reconhecia a existência jurídica da UNITA como organização política nacional
com direito a participar na vida política por meios democráticos e pacíficos.
De facto, a Constituição afirmava mesmo que o poder político em Angola só podia
ser exercido pelo MPLA. O
Presidente do MPLA era automaticamente o Presidente da República. Os juízes dos tribunais tinham de ser todos membros do
MPLA. Os Deputados tinham de ser todos membros do MPLA, porque diziam que só o
MPLA representava o povo. E mais ninguém.
A guerra de resistência popular generalizada movida pela UNITA no plano interno
teve por objectivo mudar esse regime. Este objectivo foi alcançado formalmente
em 31 de Maio de 1991 com a assinatura dos Acordos de Paz em Bicesse. Eles
demarcam um período de transcendentes mudanças no regime político de Angola
porque depois dos Acordos de Paz, tudo mudou.
Em síntese, os acordos de Bicesse foram de enorme importância porque:
• Instituíram os alicerces da paz militar, com a fusão dos dois exércitos e a
consequente criação das Forças Armadas Angolanas – FAA;
• Instituíram os fundamentos da paz política, com a extinção do regime de
partido único e a instauração do multipartidarismo;
• Instituíram uma nova ordem jurídico-constitucional, através da aprovação de
uma nova Constituição com um novo paradigma, o constitucionalismo democrático;
• Instituíram uma nova ordem económica, com a consagração de uma economia
livre, baseada nas leis do mercado.
Tudo aquilo que foi negado aos angolanos em 1975 e que trouxe a guerra, foi
devolvido aos angolanos – pelo menos no plano formal – em 31 de Maio de
1991.
Os principais valores pelos quais a UNITA se bateu para o benefício de todos os
angolanos - Paz, Multipartidarismo, Liberdade Económica e Democracia – foram
conquistados em 1991, através da assinatura dos Acordos de Paz para
Angola.
Prezados compatriotas:
Paz, liberdade e democracia são os valores fundamentais da nacionalidade
angolana que foram incorporados tanto na Constituição de 1992 como na
Constituição de 2010. Estes são os ganhos históricos dos Acordos de Paz
firmados em 31 de Maio de 1991.
Apesar dos lamentáveis recuos que nos impediram viver em liberdade e numa
autêntica democracia até aos nossos dias, não se pode nem se deve subestimar os
avanços institucionais que os Acordos de Bicesse trouxeram para Angola.
O Protocolo de Lusaka, assinado em 1997, pelos mesmos protagonistas dos Acordos
de Bicesse, visou implantar as medidas de pacificação, desarmamento e a
reconciliação, interrompidas após as eleições de 1992. Por isso, foram
assinados como simples “Anexos” dos Acordos de Bicesse.
O Memorando do Luena, assinado em 2002, pelos mesmos protagonistas dos Acordos
de Bicesse, visou formalizar o entendimento de como seriam materializadas em
definitivo as medidas pendentes não concluídas em Lusaka.
Não podendo mais ser “Anexos” aos Acordos, designou-se “Memorando de
Entendimento”, exactamente porque traduzia por escrito o entendimento de como
deveria ser concluído o cumprimento dos Acordos de Bicesse.
Os Acordos de Bicesse representam, pois a essência e o símbolo da génese da
conquista da democracia e da paz pelos angolanos.
É verdade que a paz teve e tem muitas datas. Mas a paz não pode estar desligada
da liberdade e da democracia, porque ela surge como consequência de um acordo
para a mudança do regime político, de ditadura do proletariado para democracia
multipartidária.
O facto de que depois de tal acordo principal ter havido falhas e desencontros,
não anula a essência nem a natureza da paz negociada: ela é, sempre foi e
continuará a ser, uma paz democrática e não uma simples paz militar.
Prezados compatriotas:
Importa-nos agora recordar os três grandes objectivos dos Acordos de Paz: 1) a
construção de uma República; 2) a construção do regime democrático; e 3) a
reconciliação nacional.
Vinte e quatro anos depois, onde estamos? Estes objectivos foram atingidos ou
continuam a ser metas e aspirações?
Hoje, podemos avaliar com mais clareza a importância histórica daquele evento.
Fazer tal avaliação parece-nos ser a melhor forma de comemorar os Acordos de
Paz.
A República existe no papel, embora os favorecimentos, a corrupção e a
interferência do executivo sobre os demais poderes se tenham tornado o
quotidiano da vida em Angola;
Na prática, Angola encontra-se ainda naquela posição muito peculiar de um
regime que afirma ser uma república, mas não respeita o republicanismo; diz ser
um Estado democrático, mas está longe de ser uma democracia autêntica. Uma
República funda-se nas ideias da liberdade individual, das virtudes cívicas e da
ética republicana. Estes ideais manifestam-se na separação entre a coisa
pública e as coisas privadas, civilidade, humanismo, liberdade política,
igualdade e hostilidade a privilégios, ideias típicas do republicanismo, que
não se compadecem com os ideais do absolutismo e do despotismo, típicas do
pensamento monárquico.
De facto, vinte e quatro anos depois de consagrada a República, nem o
Parlamento, nem os tribunais, nem a comunicação social, nem a Administração
eleitoral e até franjas da comunidade internacional, ninguém está fora do
controlo do PR. Nenhum deles contribui na garantia de um sistema equilibrado,
compatível com as exigências de um Estado de direito democrático bem governado
e subordinado ao parâmetro dos direitos humanos.
Por isso, os Acordos de Bicesse são tão importantes porque constituem ainda a
agenda do futuro para Angola. São promessas não cumpridas, objectivos por
atingir.
E quanto aos erros e às lições aprendidas desde Bicesse, o que podemos
dizer?
Aprendemos algumas lições que podem orientar a reflexão sobre a construção do
futuro:
Primeira lição
Sobre o longo período de guerra civil, marcado por poucos encontros e muitos
desencontros; por breves momentos de paz e longos períodos de guerra; repito
hoje o que há vários anos tenho dito:
Não há apenas um culpado nem há apenas um único responsável, nem há apenas
vítimas de um só lado. “Culpados somos todos, responsáveis somos todos, Vítimas
somos todos”.
Segunda lição:
Os Acordos de Paz iniciaram um longo e decisivo processo de transição. Não se
trata de um simples processo de transição da guerra para a paz, ou do
autoritarismo para a democracia.
Tal como em muitos outros estados africanos, a transição que Angola vive desde
1991, é uma transição mais ampla e complexa: de ex-colónia para Estado
independente: da guerra para a paz; da repressão para os direitos humanos; de
Estado de não direito para o Estado de direito. Da corrupção para a transparência. De uma
economia voltada para o exterior para uma economia integrada, voltada para o
angolano; da ênfase no desenvolvimento do território e infraestruturas para a
ênfase no desenvolvimento das pessoas; da centralização do poder e da riqueza
para a descentralização do poder e justa redistribuição da renda.
Angola precisa de um novo Acordo para completar esta
transição de forma pacífica.
Terceira lição:
Os angolanos estão cansados da má governação do MPLA. Em todos os cantos do
país, todos aspiram por uma mudança: os estudantes querem a mudança; Os
professores, os sindicalistas, os polícias, todos estão convencidos que o MPLA
já não tem mais nada para dar a Angola. Esta mudança não pode ser obra de um
partido. É obra de todo um povo. É obra de nós todos, de todas as classes
sociais que constituem o povo soberano de Angola. Esta mudança já está em
construção e precisamos apenas de conversar mais um pouco para eliminar os
receios e alinhavar algumas arestas.
Quarta lição:
A democracia de papel, tutelada por um Partido-estado e a má governação não
servem a Angola. Angola quer uma democracia dinâmica onde o poder judicial é
mesmo independente, onde os juízes se sintam no dever e com poder real de fazer
justiça a muitos José Sócrates que certamente andam por aí. Angola reclama por
um novo e melhor governo, que seja sensível ao sofrimento do povo e governe
para o povo, e não para os seus bolsos. A democracia angolana reclama por
autarquias locais para gerir e regulamentar com autonomia os assuntos públicos
locais. Angola quer uma imprensa livre e plural e uma comunicação pública
isenta, educativa e construtiva, que respeita a ética e promove a unidade e a
reconciliação nacional. Uma democracia onde ninguém se comporte acima da lei,
uma democracia que responsabiliza os governantes e organiza processos
eleitorais transparentes e credíveis.
Quinta lição:
Aprendemos que a mudança que todos almejamos deve ser feita sem convulsões.
Deve ser uma mudança pacífica e estável. Mudança que não destrua o que já foi
feito, mas que construa sobre a obra já erigida, respeitando tanto a construção
como os construtores. Uma mudança sem ódios nem vinganças. Uma mudança que não
faça caça às bruxas, porque todos cometemos erros. O objectivo da mudança não é
substituir um ditador por outro. Nem é criar uma classe diferente de
endinheirados a partir de novos roubos do erário público. Nada disso.
Queremos mudar o regime político, e não perseguir pessoas nem tirar-lhes os
seus bens. O que defendemos é que quem talvez tenha roubado, que páre de
roubar. Quem talvez tenha matado, que páre de matar. Quem talvez tenha defraudado,
que páre de defraudar. Vamos construir um novo país. Uma nova matriz de valores
para sustentar o processo de renovação social. Vamos cultivar uma nova cultura
de governação. Vamos dar as mãos uns aos outros, porque somos todos irmãos,
filhos da mesma mãe: ANGOLA.
Pretos, brancos e mulatos, ricos e pobres, letrados e iletrados, vamos esquecer
o passado, eliminar os receios do presente para construirmos o futuro. Um
futuro inclusivo e partilhado por todos, cada um de acordo com as suas
capacidades reais.
Meus compatriotas:
Defendo a celebração de um novo Acordo de Bicesse. Um novo contrato social.
Vamos concluir a obra que Bicesse alicerçou.
Porque deve ser a hora de Angola saldar a dívida que tem consigo mesma e
encontrar-se definitivamente consigo mesma.
Chegou a hora da reconciliação!
Chegou a hora de Angola se libertar dos medos e entraves artificiais à
liberdade e à democracia.
Chegou a hora de Angola ter governantes que reconhecem seu dever de prestar
contas dos seus actos aos cidadãos.
• Chegou a hora de pararmos o ciclo repetitivo de eleições fraudulentas
organizadas apenas para perpetuar no poder alguns e excluir outros.
• Chegou a hora de abandonarmos o conformismo fatalista, que nos faz conviver
com tanta miséria, tanta dor, tanto sofrimento e tanta ineficiência no
tratamento adequado e eficaz dos nossos problemas.
• Até quando vamos assistir a impunidade da corrupção desviar os preciosos mas
limitados recursos da nação?
• Até quando viveremos prisioneiros do nosso passado, dos fantasmas que criou,
da insegurança que instaurou nas nossas mentes e das divisões que produziu e
congelou?
• Até quando vamos fazer de contas que não vemos o que estamos vendo, que não
sabemos o que sabemos, que não nos interessa o que nos interessa, que não nos
preocupa o que muito nos angustia?
• Até quando viveremos dilacerados entre o que somos e o que poderíamos
ser?
Caros compatriotas:
Jovens angolanos:
Vinte e quatro anos depois de Bicesse: Angola ainda não é uma verdadeira
República. Angola ainda não é uma verdadeira democracia. Angola ainda não
efectuou o encontro consigo mesma.
O futuro de Angola está nas nossas mãos. O nosso futuro risonho está nas vossas
mãos. O momento é de buscarmos, não tanto as diferenças, mas o que nos une e o
que nos faz uma nação. Hoje, sobretudo, é um dia para olharmos o nosso futuro.
Não importa o nosso Partido, não importa a nossa etnia. A prioridade agora é a construção do futuro
comum. A prioridade é tornar realidade o encontro que Angola tem marcado
consigo mesma. Um encontro marcado com o desenvolvimento social, com o
progresso económico, com a justiça e com a plena liberdade democrática.
É para este encontro, cuja trajectória instável e
vacilante começa com a Independência e continua com os Acordos de Bicesse, que
nós da UNITA nos preparamos.
Para este encontro, contamos com todos aqui em Benguela: com os professores e
os estudantes, os patrões e os trabalhadores; contamos convosco, os polícias,
soldados e oficiais; contamos com todos os angolanos que trabalham na Função
Pública; com os agentes das forças de segurança; com todos os angolanos, de
todos os partidos.
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