Rafael Marques de
Morais, Junho de 2016
Duas semanas
depois, a 15 de Dezembro de 2014, Mayra, esposa de Zenú e nora de José Eduardo
dos Santos, compareceu no Cartório Notarial da Loja dos Registos do Kilamba,
como representante de Maria Isabel José e de Domingas Zanda Muenho.
Mayra procedeu à
transferência para o seu próprio nome de 70 por cento da quota da Bertoli –
Investimentos e Participações, que assim ficam na posse de Mayra Isungi Campos
Costa dos Santos, esposa de Zenú e nora de José Eduardo dos Santos. Os
restantes 30 por cento passam para o nome das três filhas do casal Zenú e
Mayra: Dahlia (10 anos), Amarilis (7 anos) e Anise (3 anos). E assim as netas
do presidente, contrariamente à tia Isabel dos Santos, que começou a vender
ovos aos seis anos, iniciam-se na vida dos negócios como empresárias de sucesso
no mercado imobiliário, através dos esquemas de corrupção do avô.
O Ministério das
Finanças recusou-se a responder às questões que lhe foram remetidas, a 13 de
Maio, para que esclarecesse a sua participação no negócio, apesar de
inicialmente ter solicitado o envio das perguntas por e-mail. Das quatro
questões enviadas, partilham-se duas.
Que justificação
há para o Ministério das Finanças e a CVM [Comissão de Valores Mobiliários]
ocuparem um edifício de 35 andares, quando está em construção um novo edifício
para o MINFIN?
Por que motivo
não se seguiu o preceituado no artigo 28.º 1, b da Lei 3/10 [Lei da Probidade
Pública] de 29 de Março? Era do conhecimento do ministro Armando Manuel que a
Imob pertencia à nora do presidente, Mayra Isungi Campos Costa dos Santos, que
é mulher do presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, e
agora às suas netas também?
De acordo com o
artigo acima mencionado, “o agente público [no caso, o chefe do Executivo, José
Eduardo dos Santos] está impedido de intervir na preparação, na decisão e na
execução dos actos e contratos nos seguintes casos”: “(b) quando, por si ou
como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente
de linha recta [nora, filho e netos] ou até segundo grau da linha colateral, bem
como quem viva em comunhão de mesa e habitação”.
Outros sócios
foram igualmente contactados para fornecerem a sua versão dos factos, mas
sempre sem sucesso.
O modo como o
presidente tem saqueado o país em benefício da sua família leva a questionar,
sobretudo, o sentido de responsabilidade política, moral, social e patriótica
dos milhões de militantes do partido no poder, o MPLA, e que o defendem em
detrimento da pátria. O mesmo se pode dizer para os efectivos das Forças
Armadas Angolanas e da Polícia Nacional. O que é Angola para o MPLA e os seus
militantes? Defender Angola, a lei e a ordem é defender quem saqueia o país?
Há um edifício em
construção, na Rua Major Kanhangulo, em Luanda, que simboliza o desvario de
José Eduardo dos Santos na gestão dos fundos públicos, agindo como se o tesouro
nacional fosse seu, apenas propriedade sua e dos seus filhos.
A 12 de Setembro
de 2014, o presidente José Eduardo dos Santos ordenou ao Ministério das
Finanças (MINFIN) que procedesse à aquisição do edifício, na fase inicial de
construção, por US $115.4 milhões de dólares. Fê-lo através do despacho
presidencial n.º 182/14, que autorizava a celebração do contrato de compra e
venda entre a empresa privada Imob Angola – Empreendimentos Imobiliários Lda. e
o seu governo.
A construção do
edifício ficou a cargo da empresa portuguesa Mota-Engil e teve início um ano
antes do despacho presidencial, em Setembro de 2013. A conclusão está prevista
para 2017. O prédio deverá ter 35 andares, e será o mais alto e esguio em
Angola. Neste momento, está já concluído o 25.º andar. O custo total da obra
foi avaliado em cerca de US $40 milhões, segundo dados públicos da gestão da
Mota-Engil.
À data do
despacho presidencial, eram sócios da Imob Angola: Mayra Isungi Campos Costa dos
Santos, mulher de Filomeno José dos Santos “Zenú”, com 45 por cento do capital;
o empresário brasileiro Valdomiro Minoro Dondo, com igual quota; e Óscar Tito
Cardoso Fernandes, com os restantes 10 por cento. Este último é amigo de Zenú e
do ministro das Finanças, Armando Manuel, e os três estão ligados por
interesses económicos que já são objecto de investigação do Maka Angola. Foi
Zenú quem indicou Armando Manuel para o cargo que actualmente ocupa, conforme
revelação antecipada neste portal em 2013.
Mayra dos Santos
é apenas uma representante do marido, José Filomeno dos Santos, que por sua vez
é filho de José Eduardo dos Santos e presidente do Fundo Soberano de Angola.
No mesmo dia em
que o presidente assinou o despacho, a 12 de Setembro de 2014, a Imob Angola e
as empresas que viriam a ser as suas novas proprietárias realizaram cada uma,
por sua conta, as suas assembleias-gerais.
A seguir, dez
dias após o despacho presidencial, a 22 de Setembro de 2014, os sócios da Imob
Angola cederam a totalidade das suas quotas a duas empresas fantasma: a Incasa
– Empreendimentos e Participações Lda. e a Bertoli – Investimentos e
Participações, cujas sócias eram duas desconhecidas, Maria Isabel José e
Domingas Zanda Muenho.
Conforme revelam
documentos na posse de Maka Angola, à data do negócio Maria Isabel José vivia
no Bairro Sambizanga, numa rua sem nome e numa casa sem número. Por sua vez,
Domingas Zanda Muenho vivia no Bairro Prenda, também numa rua sem nome e numa
casa sem número. Esses dados chamaram logo a atenção, porque quem tem capital
para tamanho negócio certamente poderia viver em melhores condições. Regra
geral, as ruas das áreas urbanas e semiurbanas têm nomes ou são numeradas, ao
passo que os musseques não.
De acordo com
documentos consultados por Maka Angola, a 25 de Setembro de 2014 Minoru Dondo
vendeu o terreno onde está a ser edificada a torre, por US $6.8 milhões, à
Incasa Empreendimentos e Participações Lda. O valor incluiu também a sua saída
integral da Imob Angola, não tendo, por isso, participado no negócio com o
MINFIN. O Estado reconheceu a saída de Minoru no negócio três dias após o
decreto presidencial de compra da Imob Tower.
A Incasa é uma
empresa detida formalmente pelo mesmo Óscar Tito Cardoso Fernandes e pelo
brasileiro António Carlos Perruci Loureiro Alves; os dois são proprietários de
quotas iguais.
O brasileiro, que
trabalhou primeiro para a Macon, até 2010, tornou-se numa eminência parda
quando se aliou ao trio José Filomeno dos Santos “Zenú”, Armando Manuel e Óscar
Tito Fernandes Cardoso. Passou a ser também um testa-de-ferro de Zenú. É nessa
qualidade que entra como sócio no negócio da Imob Business Tower, segundo
fontes contactadas por Maka Angola.
A influência do
brasileiro estende-se ao controlo da base de dados da Autoridade Tributária
Geral, afecta ao MINFIN, por via do software que fornece a essa entidade.
O contrato
Entretanto,
através do despacho 1610/14, de 28 de Novembro de 2014, o ministro das
Finanças, Armando Manuel, subdelegou poderes ao secretário de Estado para o
Património, Franco Burity da Silva, para a assinatura do contrato-promessa de
compra e venda do imóvel à Imob Angola. Mas, por altura da assinatura do
contrato, a Imob Angola já tinha outro figurino, com a Incasa e a Bertoli como
únicas sócias.
O negócio não
ficaria completo sem mais uma machadada na lei.
Vendido o
edifício ao Ministério das Finanças, a fiscalização das obras passou a ser da
inteira responsabilidade da empresa BDM – Engenharia e Tecnologia Limitada, que
também é a projectista.
Quem são os donos
da BDM? O brasileiro António Carlos Perruci Loureiro Alves (67.5%), um deputado
do MPLA, general Armando da Cruz Neto (20%) e Óscar Tito Cardoso Fernandes
(12.5%), conforme registo notarial lavrado a 10 de Abril de 2014.
“O vendedor da
obra não deve ser o fiscalizador da mesma. Isso é uma promiscuidade total,
porque protege o seu interesse privado e não o do Estado. Tecnicamente não
fiscaliza nada”, argumenta um engenheiro de construção civil, especialista em
obras públicas, que prefere o anonimato.
Para este mesmo
especialista, “no momento em que o Estado assina o contrato, a construção do edifício
passa a ser uma obra pública sujeita às leis da Probidade Pública e da
Contratação Pública”.
O especialista
cita a Lei da Contratação Pública, para demonstrar a clareza da lei: “o fiscal
nomeado para a obra não pode, em circunstância alguma, ser o projectista da
obra [Art. 265º, nº 5].”
O procurador
papagaio
A recente
declaração do procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, sobre
o seu combate à corrupção não passa de mais um acto de cinismo e hipocrisia. A
legislação angolana confere ao presidente da República o papel de responsável
último do Ministério Público, corpo de advogados do Estado encarregados de
garantir a legalidade e de perseguir penalmente os criminosos. O
procurador-geral da República é o chefe dos advogados do Estado, e está
directamente dependente do presidente da República.
Por conseguinte,
o general João Maria de Sousa não é mais do que um papagaio ao serviço da
família Dos Santos, roubando o Estado e o povo angolano em plena luz do dia. É
o procurador que manda prender os críticos, como os 17 activistas, para
proteger o principal violador da constituição e da legislação em vigor: José
Eduardo dos Santos.
Conclusão: um
presidente que viola todos os dias as leis e a Constituição não merece qualquer
respeito por parte dos cidadãos que representa e não tem qualquer legitimidade
para manter o cargo, excepto o poder da força e da corrupção. Dos Santos é
ladrão e o lugar dos ladrões é na cadeia, e não na presidência da República.
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