1.Os Grupos Parlamentares da UNITA, da
CASA-CE, do PRS e o Partido FNLA, as quatro forças políticas na oposição
parlamentar em Angola, decidiram recorrer directamente ao povo angolano – o
soberano do poder político – para dar conta da mais recente agressão à
Constituição da República de Angola e à lei, praticada pelo MPLA sob proposta e
orientação do seu Presidente, o Engenheiro José Eduardo dos Santos, Titular do
Poder Executivo.
Trata-se da
aprovação, apenas pelo MPLA, da proposta de Lei do Registo Eleitoral. Esta lei
atribui competências eleitorais ao Titular do Poder Executivo, numa clara
agressão aos princípios da reserva da Constituição, da administração eleitoral
independente e da supremacia da Constituição e legalidade, consagrados nos
artigos 117º, 107º e 6º da Constituição, o que demonstra, sem ambiguidades,
que, para o Presidente da República, todos os meios são válidos desde que
consiga manter-se no poder que ocupa de forma ilegítima nos últimos 35 anos.
2.Vamos aos factos:
Sob proposta do
Titular do Poder Executivo, a Assembleia Nacional aprovou, no dia 29 de Janeiro
de 2015, na generalidade, com os votos únicos dos deputados do MPLA, o texto de
lei do Registo Eleitoral, apesar de a oposição parlamentar ter solicitado ao
Presidente da Assembleia Nacional, em bloco, que o ponto fosse retirado da
agenda de discussões desse dia, por considerar que a proposta em causa subvertia
os ditames da Constituição e a Lei.
3.No dia 5 de Fevereiro de 2015, e na
sequência dessa aprovação, na generalidade, as quatro forças políticas na
oposição parlamentar, novamente em bloco, denunciaram, em declaração conjunta
apresentada aos órgãos de comunicação social, as manobras que estavam a ser
urdidas pelo Titular do Poder Executivo, através do seu Grupo Parlamentar,
apelando para os perigos de tais passos, por um lado, e apelando, por outro
lado, ao bom senso que apontava para o facto de que os diferendos em matéria
eleitoral fossem tratados na base de consensos, em nome da estabilidade. Mais
uma vez, os nossos irmãos do MPLA não nos quiseram dar ouvidos.
4. Face à insistência de levar o
assunto à discussão, na especialidade, sem os necessários e recomendáveis
consensos entre as forças políticas presentes no Parlamento, e em mais uma
tentativa de busca desses consensos, a oposição parlamentar endereçou, a 23 de
Março de 2015, uma carta ao Grupo Parlamentar do MPLA, apontando para os
perigos que representava para o país, a condução dessa matéria da forma como se
pretendia fazer. A resposta à nossa carta viria no dia 2 de Abril, numa carta
em que o Grupo Parlamentar do MPLA rejeitava liminarmente qualquer ideia de
construção de consensos, ao mesmo tempo que nos dizia que a proposta de lei do
registo eleitoral de iniciativa do Titular do Poder Executivo não era matéria
eleitoral.
5. No dia 6 de Abril, iniciou-se a
discussão, na especialidade, dessa proposta. Os trabalhos viriam a ser
suspensos nesse dia, por iniciativa da oposição, para que os líderes de todos
os Grupos Parlamentares pudessem fazer consultas junto das direcções dos seus
respectivos partidos e se tentasse um derradeiro esforço para a obtenção de
consensos. Entendíamos que estávamos a tratar de uma matéria eminentemente
eleitoral, que tinha, inequivocamente, a ver com a habilitação e capacitação do
cidadão ao usufruto de dois direitos que a Constituição lhe conferia: por um
lado, o de eleger e, por outro, o de ser eleito. Tratava-se de matéria
eleitoral, não fora o próprio título da lei proposta falar em Registo Eleitoral
e não em registo de qualquer outra coisa. Entendíamos nós que estávamos perante
dois problemas específicos que careciam de intervenção legislativa distinta,
nomeadamente, a criação de uma Base de Dados de Cidadãos Maiores, que encontra
entraves na inexistência de Bilhete de Identidade para esses cidadãos maiores
e, consequentemente, a obstrução à cidadania, por um lado, e, por outro, a
questão do registo eleitoral, tendo em conta as novas imposições
constitucionais sobre a Administração Eleitoral Independente. Fizemos uma
proposta concreta aos nossos colegas do Grupo Parlamentar do MPLA para que
legislássemos de modo separado, criando uma lei sobre a Base de Dados dos Cidadãos
Maiores, cuja competência seria do Titular do Poder Executivo, e uma outra Lei
Orgânica do Registo Eleitoral, da competência da Comissão Nacional Eleitoral,
enquanto órgão da Administração Eleitoral.
6. Essa nossa pretensão não foi aceite
pelo MPLA, alegando que não seria uma solução legal defensável e que, no seu
entender, seria preferível expurgar matérias potencialmente susceptíveis de
desconfiança.
7. Ora essas matérias susceptíveis de
gerar “desconfiança” são exactamente aquelas que violam a Constituição e
propiciam a estruturação da fraude. E estas o MPLA decidiu não retirar da lei,
tais como a atribuição ao Titular do poder executivo da competência para a
realização do registo eleitoral, a existência de prova de vida numa legislação
do registo eleitoral oficioso, a omissão de disposição que garanta
expressamente a validade das bases de dados do registo existentes, construídas
em 2007-2011 e auditadas em 2012, a omissão da administração eleitoral como
única entidade a quem incumbe manter a custódia dos programas informáticos e
ficheiros relativos ao registo eleitoral oficioso e proceder à sua
actualização, a falta de limite no tempo para a realização do registo eleitoral
presencial, a proibição da fiscalização das bases de dados a serem utilizadas
nas eleições que o Executivo pretende criar; e a transformação dos
administradores municipais – que, enquanto dirigentes do Partido MPLA, actuam
aberta e impunemente como promotores da exclusão, da intolerância e da
violência política gratuitas - em agentes eleitorais, responsáveis pela
execução dos actos materiais de registo eleitoral presencial.
8.Nas tentativas de aproximação com o
MPLA, este deu a entender que o seu foco era “a construção da base de dados que
dá sustento ao Registo dos cidadãos potencialmente eleitores”, e que os
Deputados do partido no poder entendiam ser pretensão da oposição mandar para a
discussão das matérias do processo eleitoral tudo o que se julgava ser matéria
eleitoral, ao abrigo de um Plano das Tarefas Eleitorais que o MPLA pretende
propor nos próximos dias à Assembleia Nacional.
9. Mas, mau grado a aparente abertura
para o diálogo, o Grupo Parlamentar do MPLA evidenciou que não está interessado
em consensos em matérias eleitorais. Das mais de oitenta propostas substantivas
de textos alternativos apresentadas pela oposição, o MPLA aceitou apenas uma.
Decidiu impor aos angolanos a sua vontade e aprovou, na especialidade, a
proposta inicial do Executivo, violando a Constituição, com algumas emendas
cosméticas.
10. Os juristas do MPLA, que vieram ao
Parlamento defender a pretensão do Senhor Presidente da República, argumentam
que a lei visa proceder à conceptualização do registo eleitoral e à definição
do seu regime jurídico, por força do estabelecido no número 2 do artigo 107.º
da CRA, sob a epígrafe “Administração eleitoral”, que estabelece o seguinte:
1 - “Os processos
eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes,
cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por
lei”.
2- “O registo
eleitoral é oficioso, obrigatório e permanente, nos termos da lei”.
Ou seja, o MPLA
defende que a CRA estabelece que o registo eleitoral é “oficioso” e, como tal,
deve ser feito de maneira diferente por uma entidade diferente da Administração
eleitoral. Por esta razão, alteraram o título da proposta de lei para “Lei do
Registo Eleitoral Oficioso”.
11. Argumenta também que o registo
eleitoral não é matéria eleitoral. É matéria pré eleitoral que não cabe na
esfera da administração eleitoral, mas sim da Administração Pública. Ou seja, o
MPLA está a dizer que o Nº 1 do Artigo 107º pertence a esse artigo, mas que o
Nº 2 já não.
12.Todos os grupos parlamentares menos o
do MPLA entendem que não existe, na Constituição, um registo eleitoral que
pertença a uma fase pré-eleitoral nem existem, nas democracias, “processos
pré-eleitorais”. O único acto de recenseamento que o cidadão faz antes do
registo eleitoral é o registo de nascimento, que nada tem a ver com as
eleições. A emissão do bilhete de identidade também nada tem a ver com o artigo
107º da CRA porque nada tem a ver com as eleições.
13.Todos os grupos parlamentares menos o
do MPLA entendem que deve ser a Administração eleitoral a realizar o registo
eleitoral oficioso, porque se trata de uma matéria eleitoral, que a
Constituição coloca directa e expressamente sob a sua alçada.
14.O Título IV da Constituição, que
estrutura a organização do poder do Estado, estabelece, ao lado dos três órgãos
de soberania, a administração eleitoral, a quem incumbe realizar o registo
eleitoral, que é oficioso, obrigatório e permanente, conforme diz expressamente
o artigo 107º. O Título V define a estrutura e os princípios que regem a
actividade da Administração pública, que inclui a Administração local do Estado
(artigos 198.º a 201.º). O Título VI estabelece o poder local, que inclui a
administração local autónoma, no quadro das autarquias locais (artigos 213º a
222º).
15. A Administração eleitoral é
independente do Presidente da República e não está subordinada ao Titular do
Poder Executivo nem ao Poder Legislativo. Por isso mesmo, os membros dos órgãos
da Administração eleitoral são inelegíveis ao cargo de Presidente da República
(artigo 110.º, nº 2, al. f)) e ao cargo de Deputados (artigo 145.º, nº 1, al.
c)).
16. Estas disposições salientam também que
a designação “administração eleitoral” refere-se a uma estrutura orgânica
concreta e não a uma função, como o MPLA pretende fazer crer. Administração
eleitoral é, pois, uma instituição distinta e separada de outros órgãos do
Estado, com competências distintas da Administração Pública. Por esta razão, a
Constituição estabelece que “relativamente a outros órgãos”, compete à
Assembleia Nacional “eleger membros dos órgãos de administração eleitoral…”
(artigo 163.º, alínea d).
17.Nos termos da Lei Constitucional de 1992,
o Governo e o Presidente da República podiam envolver-se em matérias eleitorais
e organizar o registo eleitoral. Por isso organizaram o registo eleitoral no
período de 2005 a 2007, nos termos da Lei nº 3/05 (Lei do Registo Eleitoral),
que o MPLA vai agora revogar. Mas, nos termos da Constituição de 2010, em
vigor, nem o Titular do Poder Executivo, nem o Presidente da República têm
competências para organizar o registo eleitoral, que é oficioso, obrigatório e
permanente.
18.Ao Presidente da República, enquanto
titular do Poder Executivo, compete, sim, dirigir a Administração Pública,
dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e
militar, superintender a administração indirecta e exercer a tutela sobre a
administração autónoma (artigo 120º, alínea d).
19.O Presidente da República não pode
dirigir a administração eleitoral, directa ou indirectamente, nem pode exercer
competências eleitorais, porque a administração eleitoral é o órgão que
organiza o processo de eleição ou rejeição, pelo povo, do Presidente da
República em exercício. Há um inequívoco conflito de interesses. Em boa hora a
Constituição, no sentido de garantir transparência, isenção, imparcialidade e
confiança, atribuiu a um órgão independente a realização dos actos
processualmente eleitorais.
20. A insistência do Titular do Poder
Executivo em violar a Constituição e chamar a si uma competência que a
Constituição não lhe confere é, no mínimo, muito suspeita.
21.Face ao exposto, os Grupos
Parlamentares da UNITA, da CASA-CE, do PRS e os representantes do Partido FNLA
imputam ao Titular do Poder Executivo e ao MPLA todas as consequências que
resultarem dessas manobras fraudulentas, agressoras da Constituição e do regime
democrático, pois Angola e os angolanos já não podem nem querem suportar mais
nenhuma fraude eleitoral.
Luanda, 16 de
Abril de 2015
Pelas Forças
Políticas na Oposição Parlamentar:
1. Raúl Manuel DANDA
Presidente do
Grupo Parlamentar da UNITA
2. Manuel FERNANDES
Vice-Presidente
do Grupo Parlamentar da CASA-CE
3. Benedito DANIEL
Presidente do
Grupo Parlamentar do PRS
4. Lucas
Benguy NGONDA
Presidente da FNLA
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