lundi 20 avril 2015

Declaração política dos grupos parlamentares da UNITA, CASA-CE, PRS e da representação da FNLA, relativa à proposta de lei do registo eleitoral de iniciativa do titular do poder executivo


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1.Os Grupos Parlamentares da UNITA, da CASA-CE, do PRS e o Partido FNLA, as quatro forças políticas na oposição parlamentar em Angola, decidiram recorrer directamente ao povo angolano – o soberano do poder político – para dar conta da mais recente agressão à Constituição da República de Angola e à lei, praticada pelo MPLA sob proposta e orientação do seu Presidente, o Engenheiro José Eduardo dos Santos, Titular do Poder Executivo.
Trata-se da aprovação, apenas pelo MPLA, da proposta de Lei do Registo Eleitoral. Esta lei atribui competências eleitorais ao Titular do Poder Executivo, numa clara agressão aos princípios da reserva da Constituição, da administração eleitoral independente e da supremacia da Constituição e legalidade, consagrados nos artigos 117º, 107º e 6º da Constituição, o que demonstra, sem ambiguidades, que, para o Presidente da República, todos os meios são válidos desde que consiga manter-se no poder que ocupa de forma ilegítima nos últimos 35 anos.


2.Vamos aos factos:
Sob proposta do Titular do Poder Executivo, a Assembleia Nacional aprovou, no dia 29 de Janeiro de 2015, na generalidade, com os votos únicos dos deputados do MPLA, o texto de lei do Registo Eleitoral, apesar de a oposição parlamentar ter solicitado ao Presidente da Assembleia Nacional, em bloco, que o ponto fosse retirado da agenda de discussões desse dia, por considerar que a proposta em causa subvertia os ditames da Constituição e a Lei.

3.No dia 5 de Fevereiro de 2015, e na sequência dessa aprovação, na generalidade, as quatro forças políticas na oposição parlamentar, novamente em bloco, denunciaram, em declaração conjunta apresentada aos órgãos de comunicação social, as manobras que estavam a ser urdidas pelo Titular do Poder Executivo, através do seu Grupo Parlamentar, apelando para os perigos de tais passos, por um lado, e apelando, por outro lado, ao bom senso que apontava para o facto de que os diferendos em matéria eleitoral fossem tratados na base de consensos, em nome da estabilidade. Mais uma vez, os nossos irmãos do MPLA não nos quiseram dar ouvidos.

4. Face à insistência de levar o assunto à discussão, na especialidade, sem os necessários e recomendáveis consensos entre as forças políticas presentes no Parlamento, e em mais uma tentativa de busca desses consensos, a oposição parlamentar endereçou, a 23 de Março de 2015, uma carta ao Grupo Parlamentar do MPLA, apontando para os perigos que representava para o país, a condução dessa matéria da forma como se pretendia fazer. A resposta à nossa carta viria no dia 2 de Abril, numa carta em que o Grupo Parlamentar do MPLA rejeitava liminarmente qualquer ideia de construção de consensos, ao mesmo tempo que nos dizia que a proposta de lei do registo eleitoral de iniciativa do Titular do Poder Executivo não era matéria eleitoral.

5. No dia 6 de Abril, iniciou-se a discussão, na especialidade, dessa proposta. Os trabalhos viriam a ser suspensos nesse dia, por iniciativa da oposição, para que os líderes de todos os Grupos Parlamentares pudessem fazer consultas junto das direcções dos seus respectivos partidos e se tentasse um derradeiro esforço para a obtenção de consensos. Entendíamos que estávamos a tratar de uma matéria eminentemente eleitoral, que tinha, inequivocamente, a ver com a habilitação e capacitação do cidadão ao usufruto de dois direitos que a Constituição lhe conferia: por um lado, o de eleger e, por outro, o de ser eleito. Tratava-se de matéria eleitoral, não fora o próprio título da lei proposta falar em Registo Eleitoral e não em registo de qualquer outra coisa. Entendíamos nós que estávamos perante dois problemas específicos que careciam de intervenção legislativa distinta, nomeadamente, a criação de uma Base de Dados de Cidadãos Maiores, que encontra entraves na inexistência de Bilhete de Identidade para esses cidadãos maiores e, consequentemente, a obstrução à cidadania, por um lado, e, por outro, a questão do registo eleitoral, tendo em conta as novas imposições constitucionais sobre a Administração Eleitoral Independente. Fizemos uma proposta concreta aos nossos colegas do Grupo Parlamentar do MPLA para que legislássemos de modo separado, criando uma lei sobre a Base de Dados dos Cidadãos Maiores, cuja competência seria do Titular do Poder Executivo, e uma outra Lei Orgânica do Registo Eleitoral, da competência da Comissão Nacional Eleitoral, enquanto órgão da Administração Eleitoral.

6. Essa nossa pretensão não foi aceite pelo MPLA, alegando que não seria uma solução legal defensável e que, no seu entender, seria preferível expurgar matérias potencialmente susceptíveis de desconfiança.

7. Ora essas matérias susceptíveis de gerar “desconfiança” são exactamente aquelas que violam a Constituição e propiciam a estruturação da fraude. E estas o MPLA decidiu não retirar da lei, tais como a atribuição ao Titular do poder executivo da competência para a realização do registo eleitoral, a existência de prova de vida numa legislação do registo eleitoral oficioso, a omissão de disposição que garanta expressamente a validade das bases de dados do registo existentes, construídas em 2007-2011 e auditadas em 2012, a omissão da administração eleitoral como única entidade a quem incumbe manter a custódia dos programas informáticos e ficheiros relativos ao registo eleitoral oficioso e proceder à sua actualização, a falta de limite no tempo para a realização do registo eleitoral presencial, a proibição da fiscalização das bases de dados a serem utilizadas nas eleições que o Executivo pretende criar; e a transformação dos administradores municipais – que, enquanto dirigentes do Partido MPLA, actuam aberta e impunemente como promotores da exclusão, da intolerância e da violência política gratuitas - em agentes eleitorais, responsáveis pela execução dos actos materiais de registo eleitoral presencial.

8.Nas tentativas de aproximação com o MPLA, este deu a entender que o seu foco era “a construção da base de dados que dá sustento ao Registo dos cidadãos potencialmente eleitores”, e que os Deputados do partido no poder entendiam ser pretensão da oposição mandar para a discussão das matérias do processo eleitoral tudo o que se julgava ser matéria eleitoral, ao abrigo de um Plano das Tarefas Eleitorais que o MPLA pretende propor nos próximos dias à Assembleia Nacional.

9. Mas, mau grado a aparente abertura para o diálogo, o Grupo Parlamentar do MPLA evidenciou que não está interessado em consensos em matérias eleitorais. Das mais de oitenta propostas substantivas de textos alternativos apresentadas pela oposição, o MPLA aceitou apenas uma. Decidiu impor aos angolanos a sua vontade e aprovou, na especialidade, a proposta inicial do Executivo, violando a Constituição, com algumas emendas cosméticas.

10.          Os juristas do MPLA, que vieram ao Parlamento defender a pretensão do Senhor Presidente da República, argumentam que a lei visa proceder à conceptualização do registo eleitoral e à definição do seu regime jurídico, por força do estabelecido no número 2 do artigo 107.º da CRA, sob a epígrafe “Administração eleitoral”, que estabelece o seguinte:

1 - “Os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei”.

2- “O registo eleitoral é oficioso, obrigatório e permanente, nos termos da lei”.
Ou seja, o MPLA defende que a CRA estabelece que o registo eleitoral é “oficioso” e, como tal, deve ser feito de maneira diferente por uma entidade diferente da Administração eleitoral. Por esta razão, alteraram o título da proposta de lei para “Lei do Registo Eleitoral Oficioso”.

11. Argumenta também que o registo eleitoral não é matéria eleitoral. É matéria pré eleitoral que não cabe na esfera da administração eleitoral, mas sim da Administração Pública. Ou seja, o MPLA está a dizer que o Nº 1 do Artigo 107º pertence a esse artigo, mas que o Nº 2 já não.

12.Todos os grupos parlamentares menos o do MPLA entendem que não existe, na Constituição, um registo eleitoral que pertença a uma fase pré-eleitoral nem existem, nas democracias, “processos pré-eleitorais”. O único acto de recenseamento que o cidadão faz antes do registo eleitoral é o registo de nascimento, que nada tem a ver com as eleições. A emissão do bilhete de identidade também nada tem a ver com o artigo 107º da CRA porque nada tem a ver com as eleições.

13.Todos os grupos parlamentares menos o do MPLA entendem que deve ser a Administração eleitoral a realizar o registo eleitoral oficioso, porque se trata de uma matéria eleitoral, que a Constituição coloca directa e expressamente sob a sua alçada.

14.O Título IV da Constituição, que estrutura a organização do poder do Estado, estabelece, ao lado dos três órgãos de soberania, a administração eleitoral, a quem incumbe realizar o registo eleitoral, que é oficioso, obrigatório e permanente, conforme diz expressamente o artigo 107º. O Título V define a estrutura e os princípios que regem a actividade da Administração pública, que inclui a Administração local do Estado (artigos 198.º a 201.º). O Título VI estabelece o poder local, que inclui a administração local autónoma, no quadro das autarquias locais (artigos 213º a 222º).

15. A Administração eleitoral é independente do Presidente da República e não está subordinada ao Titular do Poder Executivo nem ao Poder Legislativo. Por isso mesmo, os membros dos órgãos da Administração eleitoral são inelegíveis ao cargo de Presidente da República (artigo 110.º, nº 2, al. f)) e ao cargo de Deputados (artigo 145.º, nº 1, al. c)).

16. Estas disposições salientam também que a designação “administração eleitoral” refere-se a uma estrutura orgânica concreta e não a uma função, como o MPLA pretende fazer crer. Administração eleitoral é, pois, uma instituição distinta e separada de outros órgãos do Estado, com competências distintas da Administração Pública. Por esta razão, a Constituição estabelece que “relativamente a outros órgãos”, compete à Assembleia Nacional “eleger membros dos órgãos de administração eleitoral…” (artigo 163.º, alínea d).
17.Nos termos da Lei Constitucional de 1992, o Governo e o Presidente da República podiam envolver-se em matérias eleitorais e organizar o registo eleitoral. Por isso organizaram o registo eleitoral no período de 2005 a 2007, nos termos da Lei nº 3/05 (Lei do Registo Eleitoral), que o MPLA vai agora revogar. Mas, nos termos da Constituição de 2010, em vigor, nem o Titular do Poder Executivo, nem o Presidente da República têm competências para organizar o registo eleitoral, que é oficioso, obrigatório e permanente.

18.Ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo, compete, sim, dirigir a Administração Pública, dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender a administração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma (artigo 120º, alínea d).

19.O Presidente da República não pode dirigir a administração eleitoral, directa ou indirectamente, nem pode exercer competências eleitorais, porque a administração eleitoral é o órgão que organiza o processo de eleição ou rejeição, pelo povo, do Presidente da República em exercício. Há um inequívoco conflito de interesses. Em boa hora a Constituição, no sentido de garantir transparência, isenção, imparcialidade e confiança, atribuiu a um órgão independente a realização dos actos processualmente eleitorais.

20. A insistência do Titular do Poder Executivo em violar a Constituição e chamar a si uma competência que a Constituição não lhe confere é, no mínimo, muito suspeita.

21.Face ao exposto, os Grupos Parlamentares da UNITA, da CASA-CE, do PRS e os representantes do Partido FNLA imputam ao Titular do Poder Executivo e ao MPLA todas as consequências que resultarem dessas manobras fraudulentas, agressoras da Constituição e do regime democrático, pois Angola e os angolanos já não podem nem querem suportar mais nenhuma fraude eleitoral.

Luanda, 16 de Abril de 2015


Pelas Forças Políticas na Oposição Parlamentar:

1.            Raúl Manuel DANDA
Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA

2.            Manuel FERNANDES
Vice-Presidente do Grupo Parlamentar da CASA-CE

3.            Benedito DANIEL
Presidente do Grupo Parlamentar do PRS

4.            Lucas Benguy NGONDA

Presidente da FNLA

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