Direcção Editorial
22/07/2015 - 05:04
A campanha cívica pela libertação dos presos políticos
angolanos é um gesto de desassombrada nobreza.
Nos cerimoniais lusófonos costumamos contentar-nos com
evocações de tempos idos, com polidos discursos de apaziguadora retórica ou
autocontentamento. Falamos, por exemplo, da criativa resistência dos Estudantes
da Casa do Império e dos dissabores que lhes foram impostos pela ditadura
portuguesa, mas passamos ao lado do que desses tempos parece ainda ensombrar as
actuais realidades. Em Angola, por exemplo. Nos tempos da ditadura, com Salazar
ou Caetano, havia campanhas contra a repressão e pela libertação dos (muitos)
presos políticos, em Portugal e nas suas então colónias. Muitos arriscaram
envolver-se nelas e foram, por isso, também detidos, interrogados e presos.
Outros foram torturados, tantas vezes com barbaridade. Porque, para a ditadura,
não havia presos políticos, havia apenas inimigos do regime. Delinquentes
subversivos, que só podiam estar presos. E as polícias agiam em conformidade. E
com sádica violência.
O que se passa hoje em Angola lembra (e não devia lembrar)
tais tempos, pela forma ignóbil como se mantêm presos políticos fingindo que
são apenas “desordeiros” e inimigos da “ordem e segurança pública”. Os
governantes angolanos, se tivessem um só minuto que fosse para pensar no que
sofreram milhares dos seus compatriotas com a ditadura portuguesa, deviam ter
vergonha deste seu procedimento. Deviam ouvir os que, agora, com uma civilidade
determinada, os chamam à razão. Ouvirá José Eduardo (dos Santos) o que lhe diz José
Eduardo (Agualusa)? E, com ele, tantos outros? Ouvirá os apelos da Amnistia
Internacional? Perceberá realmente o que lhe pede Rafael Marques, também ele
alvo habitual do regime, quando diz: “Proteja-se com a ética da Constituição e
ouvindo os seus críticos, que são os que menos mal lhe desejam”? As vozes que
hoje se erguem contra o arbítrio são um bravo romper do silêncio. Ouçam-nas.
Elas têm razão.
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