Por proposta do Grupo Parlamentar da UNITA, debatemos hoje
os Processos Eleitorais, olhando para a sua Transparência que pode assegurar a
estabilidade desejada no país, bem como a falta dessa transparência que, a
exemplo do que, infelizmente, tem vindo a acontecer noutros países do nosso
continente e não só, pode levar o país à desgraça de uma instabilidade de
consequências sempre nefastas e imprevisíveis.
O nº 2 precisará que, e volto a citar “são ilegítimos e
criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em
meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a
Constituição” – fim de citação. A Constituição está a dizer, claramente, que o
recurso a métodos fraudulentos de tomada e exercício do poder, quaisquer que
sejam, constituem crime. Noutros termos, quem ganha uma eleição deve ganhar
porque o voto livre dos cidadãos angolanos assim o determinou, e não por
engenharias administrativas e informáticos feitas num gabinete qualquer, com a
ajuda de quem quer que seja.
II- HISTÓRIA ELEITORAL ANGOLANA
Na sequência do golpe de Estado de 25 de Abril de 1975, em
Portugal, que abriu caminho para a independência das então colónias
portugueses, Angola falhou a sua primeira oportunidade de organizar um processo
eleitoral livre e justo, que deveria conduzir ou a FNLA, ou o MPLA ou a UNITA
ao poder, legitimamente tomado e exercido, nos marcos democráticos. Tal não
aconteceu porque, nessa altura, as opções seriam ditadas por preferências
partilhadas entre o chamado “comunismo”, de inspiração soviética, e o
capitalismo, de tendência ocidental. O poder foi tomado, assumido e exercido sem
qualquer legitimidade, de 1975 a 1992. O Povo angolano não escolheu, de modo
nenhum, quem deveria dirigir os seus destinos. O poder foi tomado de assalto,
agrade ou não esse termo.
Assim,
desde a proclamação da sua independência, Angola organizou três processos
eleitorais: sendo o primeiro em 1992, o segundo em 2008 e o terceiro em 2012. Com
muita tristeza temos de reconhecer que nenhum deles foi justo muito menos
transparente. Dentro de relativamente pouco tempo, o país vai conhecer o seu
quarto processo eleitoral, aprazado para 2017, altura em que termina o mandato
constitucional do Presidente José Eduardo dos Santos.
Na busca de eleições transparentes, que proclamem, enfim,
uma justa escolha dos cidadãos angolanos, importa fazer aqui uma breve
retrospectiva factual sobre o que foram os pleitos eleitorais de 1992, 2008 e
2012, antes de olharmos para os desafios e as ameaças que espreitam a
organização das eleições de 2017.
Uma análise comparativa dos três processos eleitorais já
realizados permite estabelecer a relação necessária entre a estabilidade do
regime democrático, a competitividade das eleições e a alternância ideológica
do poder político, permitindo, igualmente, ver como as instituições
democráticas angolanas têm sido subvertidas, as regras de jogo sempre viciadas
e os resultados eleitorais pré-ordenados. Permite, por outro lado, ver também
em que medida o binómio poder/riqueza se tem constituído num sério obstáculo à
transparência dos processos eleitorais e à efectiva democratização do país.
Para que as eleições cumpram a condição de jogo interativo,
os actores políticos devem aderir à democracia, o que implica aceitar uma
eventual derrota nas eleições. Segundo Adam Przeworski, quem quer que seja o
vencedor hoje, não pode utilizar o cargo para impedir que as forças políticas
adversárias vençam na próxima ocasião. Ou seja, não pode subverter o sistema
democrático para passar por cima dos seus resultados. Ora, muito infelizmente,
esta tem sido a conduta do poder em Angola, desde o início da transição
constitucional para a democracia, negociada em Bicesse, Portugal, em 1991.
Eleições de 1992
Para se compreender o processo de radicalização dos actores
políticos no contexto das eleições de 1992, importa recordar alguns aspectos do
contexto daquela disputa eleitoral:
Na
sequência do fim da guerra fria, em Angola houve uma solução negociada do
conflito internacional que envolvia o País, havia 16 anos. Esta solução incluía
a fusão de dois exércitos e a realização de eleições “democráticas” em 16
meses, sem, contudo, existirem ainda instituições democráticas. Essas eleições,
realizadas nos dias 29 e 30 de Setembro do citado ano, polarizaram o espaço
político entre as duas forças políticas que protagonizaram o conflito militar e
seus aliados .
A campanha eleitoral foi intensa, o povo participou
massivamente e votou com civismo, numa eleição que se revelou competitiva e que
foi realizada num ambiente de baixa estabilidade.
Não houve cadernos eleitorais e, como foi revelado mais
tarde, os acessos aos códigos de segurança do programa informático que fazia a
tabulação dos resultados, estavam viciados. De tal forma viciados, que qualquer
técnico do Conselho Nacional Eleitoral tinha acesso ao programa e podia alterar
o resultado da eleição, sem deixar rasto.
Mas, apesar de os resultados daquelas eleições terem sido
aceites, em 15 de Outubro de 1992, em carta dirigida ao Secretário-Geral das
Nações Unidas, mesmo se “reconhecidamente fraudulentas e irregulares”;
aceitação reiterada a 17 de Novembro, em carta endereçada ao Senhor Marrack
Goulding, Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas para as Operações de
Manutenção da Paz, “a fim de dar seguimento ao processo de paz acordado em
Bicesse”, a verdade é que essa segunda volta nunca viria a ter lugar.
O conflito
reacendeu, os factos foram deturpados e fez-se circular a versão segundo a
qual, o conflito reacendeu porque o Dr. Savimbi “havia rejeitado” os resultados
eleitorais.
Anos mais tarde, a firma norte-americana Kenotek, LLC.
procedeu a uma revisão dos programas fontes, da arquitectura do sistema e das
aplicações informáticas que serviram de base para a tabulação dos resultados
eleitorais de 1992 e concluíu que:
? o desenho
da arquitectura do sistema utilizado e seus mecanismos de segurança não foram
concebidos de acordo com os padrões da indústria;
? O sistema
utilizado era bastante vulnerável a erros, modificações arbitrárias e
corrupção, sem deixar rasto;
? Os seus
resultados não podiam ser credíveis porque manipuláveis;
? O arquivo
designado Reppre.prg tinha sido utilizado para substituir os resultados
apurados nas eleições presidenciais por outros. Para o efeito, tinham sido
utilizados valores externos por via do programa “MPxx”. A Comissão Eleitoral
tinha-se recusado a partilhar ou mostrar o conteúdo desse programa que foi
crucial na fabricação da vitória atribuída ao MPLA;
? O arquivo
VV1.dbf continha mais 1.114 dados do que o arquivo “votos.dbf”. Evidenciando
que mais dados tinham sido adicionados ao sistema apenas para baralhar qualquer
investigação dos resultados.
? O arquivo
“Votos.dbf” continha os dados eleitorais. As colunas com os números dos votos
não tinham os nomes dos candidatos associados a eles e a única maneira de a CNE
associar o MP8 e o MP11 a alguém seria por via de um programa específico, por
ela concebido. Isto significa que o funcionário da CNE poderia incluir qualquer
nome, até o seu, e atribuir-lhe o número de votos que quisesse. Qualquer
pessoa, real ou imaginária, poderia ser declarada vencedora da eleição, o que
constituía uma ruptura séria na integridade do processo eleitoral.
Eleições de 2008
Nas eleições de 2008, o contexto político foi outro. A paz militar definitiva tinha sido
alcançada, havia já seis anos, e o líder fundador da UNITA já não estava vivo.
Foi descalçada calma e claramente a luva da democracia e assumida a postura do
autoritarismo, pisoteando a liberdade de expressão, atrofiando o pluralismo
político, partidarizando os órgãos de comunicação social públicos, organizando actos
de intolerância e violência política contra a UNITA e institucionalizando o
terror e a corrupção. Estava restaurado, na prática, o regime ‘totalitário de
Partido único’ e a sua máquina propagandística contra as liberdades
democráticas. Não ficaram apenas por aqui. Esvaziaram as competências da
Comissão Nacional Eleitoral e comprometeram a sua independência. Este
órgão, formalmente independente, deixou de ser responsável pela execução dos
actos materiais de registo eleitoral e pela produção dos cadernos eleitorais.
Deixou de ter também uma composição equilibrada como garantia da sua
imparcialidade e independência.
O poder judicial havia afirmado, em Acórdão, que os mandatos
anteriores do Presidente Eduardo dos Santos não contavam e que, a partir daquele
ano, o Presidente do MPLA se quisesse, estava livre para concorrer à eleição e
exercer o seu primeiro mandato como Presidente da República.
As eleições legislativas viriam a ser claramente manipuladas
para obter uma maioria qualificada sem precedentes de 82%, enquanto o
Presidente José Eduardo dos Santos ignorava a Constituição e não convocava as
eleições presidenciais, entretanto prometidas para 2009.
Portanto, o quadro político em que se realizaram as eleições
de 2008 foi de alta estabilidade política, mas de baixa competitividade
eleitoral.
E que atitude teve a UNITA?
A UNITA foi alvo de forte pressão popular para não aceitar
os resultados das eleições e não integrar as instituições delas resultantes.
Porém, para preservar o clima de Paz e de estabilidade, a Direcção da UNITA
optou por “engolir sapos” e aceitar os resultados de mais essa eleição
claramente fraudulenta.
Eleições de 2012
As eleições de 2012 não fugiram à regra, relativamente à
fraudulência do processo. De 2008 a 2012, Angola foi sendo uma república com
cada vez menos republicanismo, com o Estado a ser cada vez mais violador dos
direitos fundamentais dos cidadãos e promotor da institucionalização da endemia
da corrupção. Aumentaram vertiginosamente as desigualdades sociais. O enriquecimento
injustificado dos detentores do poder público começou a tornar-se uma
verdadeira ameaça à paz social. O Presidente da República abandonou a política
de compromisso, radicalizou as suas posições e enveredou pela violação
grosseira das regras democráticas, ainda na preparação do processo eleitoral de
2012. A UNITA documentou as violações, denunciou-as publicamente e perante a
Comissão Nacional Eleitoral, mas sem resultados.
O povo protestou em massa contra tais violações e, sob
convocação da UNITA, em Maio de 2012, mais de um milhão de pessoas aderiu à
manifestação realizada em simultâneo, em todas as províncias do país. As
eleições de 2012 foram, por isso, de alta competitividade realizadas num
ambiente de baixa estabilidade política.
A fraude eleitoral orquestrada em 2012 foi um processo
complexo bem planeado, executado durante cerca de dois anos, que envolveu actos
ilícitos declarados, puníveis pela lei penal. Por isso, foi objecto de uma
queixa-crime apresentada junto do Procurador Geral da República, em 11 de Março
de 2013, suportada por 123 provas documentais e pela identificação de 57
individualidades que se declararam disponíveis para prestar declarações e
fornecer provas adicionais para apoiar a investigação.
Com efeito, foi criada, equipada e financiada, com o erário
público, uma estrutura paramilitar clandestina que organizou, conduziu e
executou as operações de falsificação de documentos eleitorais, fraudes com boletins
de voto, fraudes com cadernos eleitorais, fraudes com actas das assembleias
eleitorais, e de sabotagem do sistema de apuramento e transmissão dos
resultados eleitorais, tudo com o objectivo de impedir o exercício da soberania
popular e permitir que o Presidente tomasse e exercesse o poder político por
formas não previstas nem conformes com a Constituição.
A UNITA informou em detalhe, a forma dolosa como os actos
foram planeados e executados como sendo, entre outros,
• a
utilização, para o apuramento final da vontade soberana do povo, de documentos
eleitorais inválidos, distintos daqueles onde tal vontade foi inicialmente
manifesta, e que foram preenchidos e assinados nas mesas de voto pelos agentes
eleitorais oficiais;
• a
utilização de actas falsas, com resultados falsos, pré-ordenados;
• Nunca
foram publicados os cadernos eleitorais;
• Nunca
foram publicados os resultados por mesa;
• Os
resultados que foram lidos e atribuídos aos partidos políticos não foram os
apurados nas mesas;
• As actas
que serviram de base para o anúncio oficial dos resultados, de cor branca, não
foram as actas oficiais, cor de rosa, estabelecidas por lei e assinadas pelos
representantes dos partidos políticos; para citar apenas estes.
O relatório da CNE relativo ao ano de 2012, que nos poderia
dar a visão desse órgão sobre como correram e decorreram as eleições, nesse
ano, não chegou às mãos das forças políticas na oposição, ficando por saber as
razões de tal atitude.
A preparação das eleições de 2017
Contrariando o disposto nos artigo 107º e 117º da
Constituição da República, com os votos únicos dos deputados do MPLA, esta
Assembleia Nacional aprovou recentemente uma proposta de lei do registo
eleitoral que retira da CNE e atribui ao Executivo a competência de organizar e
executar o registo eleitoral, decidindo, assim, quem pode ou não votar, sob
pretexto de que “Registo Eleitoral” não é “matéria eleitoral”. Pretende-se,
claramente, construir uma nova base de dados do registo eleitoral para ser
utilizada nas eleições gerais de 2017, que deverá excluir os angolanos
residentes no estrangeiro, manter activos por um período de vinte anos o
registo dos cidadãos já falecidos. O registo vai – e está já a ser feito – nas
Administrações Municipais, que são, como ninguém ignora, órgãos partidarizados
da administração central do estado, subordinados, portanto, ao Titular do Poder
Executivo.
Além de inconstitucional, essa lei ofende o princípio da
transparência e propicia a estruturação da fraude eleitoral, porque não permite
a fiscalização da base de dados que o Executivo vai criar.
A UNITA tem vindo a alertar que essas manobras , de clara
falta de transparência nos processos eleitorais, estão na base da grande e
grave instabilidade política que vêm vivendo alguns países do nosso continente,
como foi o caso Costa do Marfim, do Burkina Faso, República Democrática do
Congo e, presentemente, o Burundi, para citar apenas estes. Nenhum angolano
quer esse tipo de situações no nosso país. É preciso, no entanto, assumir o
facto de que Angola e os angolanos não têm condições para suportar uma nova
fraude eleitoral.
Podemos fazer as coisas com lisura e transparência? Claro
que podemos! Aliás, isso até é recomendável, além de ser uma necessidade
imperiosa. Se queremos todos estabilidade no país, ajamos todos com
transparência. O contrário poderá perigar a estabilidade em Angola.
Raúl Manuel Danda
Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire