jeudi 14 avril 2016

Fundo Soberano de Angola: As interrogações levantadas pelos Panama Papers

Publicado 12/04/2016

De que forma são geridos os 5 mil milhões de dólares afectos ao Fundo Soberano de Angola (FSA)? A pergunta serve de ponto de partida para uma extensa investigação jornalística, que a edição online do Novo Jornal reproduz a partir das páginas do jornal sul-africano City Press.


Se há um ano o Instituto de Fundos Soberanos classificava o FSA  como o segundo mais transparente de África, colocando-o entre os 30 melhores de cerca de 80 fundos analisados, agora uma investigação conjunta da Rede Africana de Centros de Jornalismo de Investigação e do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação vem expor outra realidade.

“Apesar de o FSA ser promovido como um veículo de desenvolvimento e prosperidade para todos, a fuga de informação dos Panama Papers demonstrou que não tem nada de transparente”, escreve Khadija Sharife, nas primeiras linhas do artigo intitulado “Panama Papers: Uma forma de lavar 5 mil milhões de dólares?”.

A jornalista, que no final de Março já tinha questionado essa avaliação do Instituto de Fundos Soberanos – adiantando que o mesmo “foi fundado por duas pessoas que trabalham a partir de uma caixa de correio virtual do Nevada (EUA), sem número de telefone associado ou equipa credível” – retrata agora o FSA como um instrumento insondável, liderado por José Filomeno dos Santos, “filho do Presidente José Eduardo dos Santos”, e também conhecido por ‘Zenu’.
Na base da conclusão, produzida a partir da mega fuga de informação do escritório de advogados Mossack Fonseca – conhecida por Panama Papers –, a jornalista situa uma densa e aparentemente impenetrável teia de ligações.

“Há uma relação sigilosa, e com partilha de lideranças, entre o Fundo Soberano, a consultora financeira suíça Quantum [Global], e o Banco Kwanza”, aponta a jornalista, que, num extenso trabalho, disponível online, vai partilhando o detalhe das suas descobertas.

“A determinada altura, essas três entidades foram criadas, detidas ou geridas pelas mesmas quatro pessoas, incluindo Zenu dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais, presidente do Banco Kwanza e titular de 75% das suas acções”. A estes dois nomes juntam-se os de Marcel Krüse, ex-presidente do Banco Kwanza, e Ernst Welteke, actual presidente da administração da mesma instituição financeira, que no início tinha a denominação de Banco Quantum.

Este grupo, lê-se no City Press, exibe um passado com “referências obscuras”. Krüse e Bastos de Morais, por exemplo, foram condenados na Suíça por “actos repetidos de gestão criminosa qualificada”, enquanto Welteke foi forçado a abandonar o Bundesbank, na sequência de um escândalo financeiro envolvendo “despesas privadas cobradas ao banco”.

Já sobre José Filomeno dos Santos pesam as suspeitas sobre o “Caso Kijinga” – entidade que recebeu, numa só tranche, 100 milhões de dólares do Fundo Soberano, disponibilizados através do Banco Kwanza.

Ao mesmo tempo, acrescenta a investigação sul-africana, o líder do FSA nunca clarificou de que forma a consultora Quantum foi seleccionada para gerir 3 mil milhões de dólares do fundo.

Ainda assim, vários fundos ligados à Quantum, como os 250 milhões de dólares do Venture Capital Fund (VCF), “foram totalmente investidos no Banco Kwanza”, assinala Khadija Sharife.

“Apesar de o VCF negar qualquer ligação formal à Quantum, o seu site, por exemplo, encontra-se registado pela consultora”, lê-se no artigo.

A tradição dos testas-de-ferro e o exemplo de Mirco Martins
Além de estabelecer uma série de relações entre o FSA, a Quantum e o Banco Kwanza, a jornalista debruça-se sobre a participação de Mirco Martins, enteado do vice-Presidente Manuel Vicente, nesta “teia”,

“Numa carta dirigida a Mossack Fonseca, Martins confirma que possuiu acções da Sakus, uma firma petrolífera que detinha 3,6% do Banco Africano de Investimento (BAI)”, e cuja estrutura corporativa chegou a ser investigada pelo Senado dos EUA, num inquérito sobre o britânico HSBC.
Na altura “foi revelado que mais de 40% das acções do BAI eram detidas por figuras politicamente bem relacionadas, como o enteado de Manuel Vicente, que possuía ainda 5% de uma companhia petrolífera denominada ABL”.

Muitas destas empresas são “criadas por um custo tão baixo quanto 300 dólares”, e surgem apenas como fachada para branquear contas bancárias e acções noutras firmas, destaca a investigação, invocando a velha tradição política de nomear representantes nos negócios – os popularizados testas-de-ferro.

Neste campeonato, escreve Khadija Sharife, a actividade de Mirco Martins sobressai: “Um documento, alegadamente referente à rede de empresas ligadas a Martins, e datado de 2013, identifica mais de 15 firmas, 10 das quais criadas apenas com o objectivo de manter contas bancárias”.
Muito antes dessa data, ainda em 2001, um email da auditora KPMG aconselhava Mossack Fonseca a transferir algumas dessas companhias das Ilhas Virgens Britânicas para o Liechtenstein.

“Há políticos envolvidos, e o nosso contacto na KPMG aconselhou-nos mesmo a deixar estas empresas, por causa do risco”.

Mais do que isso, reforça, a sul-africana, “fontes bem colocadas alegam que a presença de políticos angolanos existiu inicialmente, evoluindo depois para a transferência total ou parcial das empresas para Martins”.

O “esquema perfeito”, do Fundo Soberano de Angola, segundo descreve a investigação de Khadija Sharife, passa não apenas pelos “nomeados”, mas também pela presença em países financeiramente menos regulados. Como a Rússia, onde o banco Center-Invest é apontado como mais uma ‘peça’ na misteriosa engrenagem do FSA.

Segundo a investigação, todos os visados no artigo recusaram comentar as alegações, escudando-se no argumento da confidencialidade.

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