Publicado
12/04/2016
De que forma são
geridos os 5 mil milhões de dólares afectos ao Fundo Soberano de Angola (FSA)?
A pergunta serve de ponto de partida para uma extensa investigação
jornalística, que a edição online do Novo Jornal reproduz a partir das páginas
do jornal sul-africano City Press.
Se há um ano o
Instituto de Fundos Soberanos classificava o FSA como o segundo mais transparente de África,
colocando-o entre os 30 melhores de cerca de 80 fundos analisados, agora uma
investigação conjunta da Rede Africana de Centros de Jornalismo de Investigação
e do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação vem expor outra
realidade.
“Apesar de o FSA
ser promovido como um veículo de desenvolvimento e prosperidade para todos, a
fuga de informação dos Panama Papers demonstrou que não tem nada de transparente”,
escreve Khadija Sharife, nas primeiras linhas do artigo intitulado “Panama
Papers: Uma forma de lavar 5 mil milhões de dólares?”.
A jornalista, que
no final de Março já tinha questionado essa avaliação do Instituto de Fundos
Soberanos – adiantando que o mesmo “foi fundado por duas pessoas que trabalham
a partir de uma caixa de correio virtual do Nevada (EUA), sem número de
telefone associado ou equipa credível” – retrata agora o FSA como um
instrumento insondável, liderado por José Filomeno dos Santos, “filho do
Presidente José Eduardo dos Santos”, e também conhecido por ‘Zenu’.
Na base da
conclusão, produzida a partir da mega fuga de informação do escritório de
advogados Mossack Fonseca – conhecida por Panama Papers –, a jornalista situa
uma densa e aparentemente impenetrável teia de ligações.
“Há uma relação
sigilosa, e com partilha de lideranças, entre o Fundo Soberano, a consultora
financeira suíça Quantum [Global], e o Banco Kwanza”, aponta a jornalista, que,
num extenso trabalho, disponível online, vai partilhando o detalhe das suas
descobertas.
“A determinada
altura, essas três entidades foram criadas, detidas ou geridas pelas mesmas
quatro pessoas, incluindo Zenu dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais,
presidente do Banco Kwanza e titular de 75% das suas acções”. A estes dois
nomes juntam-se os de Marcel Krüse, ex-presidente do Banco Kwanza, e Ernst
Welteke, actual presidente da administração da mesma instituição financeira,
que no início tinha a denominação de Banco Quantum.
Este grupo, lê-se
no City Press, exibe um passado com “referências obscuras”. Krüse e Bastos de
Morais, por exemplo, foram condenados na Suíça por “actos repetidos de gestão
criminosa qualificada”, enquanto Welteke foi forçado a abandonar o Bundesbank,
na sequência de um escândalo financeiro envolvendo “despesas privadas cobradas
ao banco”.
Já sobre José
Filomeno dos Santos pesam as suspeitas sobre o “Caso Kijinga” – entidade que
recebeu, numa só tranche, 100 milhões de dólares do Fundo Soberano,
disponibilizados através do Banco Kwanza.
Ao mesmo tempo,
acrescenta a investigação sul-africana, o líder do FSA nunca clarificou de que
forma a consultora Quantum foi seleccionada para gerir 3 mil milhões de dólares
do fundo.
Ainda assim,
vários fundos ligados à Quantum, como os 250 milhões de dólares do Venture
Capital Fund (VCF), “foram totalmente investidos no Banco Kwanza”, assinala
Khadija Sharife.
“Apesar de o VCF
negar qualquer ligação formal à Quantum, o seu site, por exemplo, encontra-se
registado pela consultora”, lê-se no artigo.
A tradição dos
testas-de-ferro e o exemplo de Mirco Martins
Além de
estabelecer uma série de relações entre o FSA, a Quantum e o Banco Kwanza, a
jornalista debruça-se sobre a participação de Mirco Martins, enteado do
vice-Presidente Manuel Vicente, nesta “teia”,
“Numa carta
dirigida a Mossack Fonseca, Martins confirma que possuiu acções da Sakus, uma
firma petrolífera que detinha 3,6% do Banco Africano de Investimento (BAI)”, e
cuja estrutura corporativa chegou a ser investigada pelo Senado dos EUA, num
inquérito sobre o britânico HSBC.
Na altura “foi
revelado que mais de 40% das acções do BAI eram detidas por figuras
politicamente bem relacionadas, como o enteado de Manuel Vicente, que possuía
ainda 5% de uma companhia petrolífera denominada ABL”.
Muitas destas
empresas são “criadas por um custo tão baixo quanto 300 dólares”, e surgem
apenas como fachada para branquear contas bancárias e acções noutras firmas,
destaca a investigação, invocando a velha tradição política de nomear
representantes nos negócios – os popularizados testas-de-ferro.
Neste campeonato,
escreve Khadija Sharife, a actividade de Mirco Martins sobressai: “Um
documento, alegadamente referente à rede de empresas ligadas a Martins, e
datado de 2013, identifica mais de 15 firmas, 10 das quais criadas apenas com o
objectivo de manter contas bancárias”.
Muito antes dessa
data, ainda em 2001, um email da auditora KPMG aconselhava Mossack Fonseca a
transferir algumas dessas companhias das Ilhas Virgens Britânicas para o
Liechtenstein.
“Há políticos
envolvidos, e o nosso contacto na KPMG aconselhou-nos mesmo a deixar estas
empresas, por causa do risco”.
Mais do que isso,
reforça, a sul-africana, “fontes bem colocadas alegam que a presença de
políticos angolanos existiu inicialmente, evoluindo depois para a transferência
total ou parcial das empresas para Martins”.
O “esquema
perfeito”, do Fundo Soberano de Angola, segundo descreve a investigação de
Khadija Sharife, passa não apenas pelos “nomeados”, mas também pela presença em
países financeiramente menos regulados. Como a Rússia, onde o banco
Center-Invest é apontado como mais uma ‘peça’ na misteriosa engrenagem do FSA.
Segundo a
investigação, todos os visados no artigo recusaram comentar as alegações,
escudando-se no argumento da confidencialidade.
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