Joana Gorjão
Henriques e João Ruela Ribeiro
03/04/2016 -
20:07
As condições de
detenção do grupo de jovens condenados são vistas como reflexo das falhas do
sistema prisional angolano. O Governo tem construído novas prisões, mas a
sobrelotação está a piorar.
Manifestação de
solidariedade, em Lisboa, para com os activistas detidos Miguel Manso
Sem água para
beber ou para tomar banho, os detidos na cadeia de Calomboloca, a cerca de 100
quilómetros de Luanda, são obrigados a esperar que as visitas lhes tragam de
beber. Lá dentro, o esquema é agarrar em garrafas de plástico vazias,
cortá-las, virá-las ao contrário usando-as como funis para recolher a água da
chuva.
Esta é descrição
que Mónica Almeida, mulher do rapper Luaty Beirão, ouviu do marido. Luaty
Beirão foi condenado, na segunda-feira, com outros 16 activistas pelos crimes
de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. A defesa, que
interpôs recurso, fez um pedido de habeas corpus para que os reclusos aguardem
a decisão em liberdade.
No sábado, Mónica
Almeida foi visitar o marido a Calamboloca, uma prisão construída recentemente
na periferia de Luanda, e demorou mais de duas horas e meia a chegar, disse ao
PÚBLICO por telefone este domingo. Com esta distância, as visitas regulares
para o simples acto de fornecimento de bens alimentares básicos aos reclusos
tornam-se inviáveis, diz. O direito dos reclusos a fazerem ligações telefónicas
aos familiares também não está a ser cumprido: ou se desloca à cadeia, ou
Mónica Almeida não consegue falar com Luaty. “Fizemos a visita no parlatório,
totalmente escuro”, queixa-se. “Não nos conseguíamos ver um ao outro”, contou.
Na cadeia tudo
depende da boa vontade de quem está de serviço, continua. São obrigados a
comprar a água na cantina da cadeia para dar aos reclusos, ao dobro do preço no
mercado (por volta de 1,8 euros), embora no sábado a tenham deixado ir comprar
fora, pois a cantina estava fechada nesse dia.
Jornais não
entram
Luaty Beirão foi
colocado na ala dos criminosos assassinos, até quinta-feira, disse Mónica
Almeida. Depois seria transferido para a ala dos crimes financeiros: as horas
das visitas mudaram e ninguém avisou a família. Também não deixam entrar mais
nenhum jornal nem revista além do Jornal de Angola. Livros são censurados,
queixa-se ainda.
Mas há quem
recorra, em desespero, à água da sanita, como relatou o tenente das Forças
Armadas Angolanas Osvaldo Caholo, que ameaçou suicidar-se na prisão se as
condições básicas não forem asseguradas. Os 17 activistas foram distribuídos
por diversas cadeias. Pelo menos Osvaldo Caholo, Luaty Beirão, Afonso Mbanza
Hanza estão na mesma cadeia e Mónica Almeida acredita que na mesma cela. Já
Osvaldo Caholo se queixava na carta, e Luaty Beirão confirmou à mulher, que as
refeições são dadas muito tardiamente: pequeno-almoço à hora de almoço, almoço
à hora de lanche e jantar à hora da ceia. Os reclusos ficam horas em jejum,
contou. E sem apanhar Sol.
Prisões
sobrelotadas
Apesar de não ter
visitado a cadeia de Calomboloca, relatos deste género não são estranhos a
Lúcia da Silveira, presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, uma
organização que desde 2000 se tem concentrado na denúncia das falhas do sistema
penitenciário angolano. Ao PÚBLICO, recorda um trabalho que fez junto de
presidiários da Cadeia de Viana, no ano passado. “Os detidos encontravam-se em
situação lamentável, o cheiro que emanava enquanto conversávamos com eles
denotava que não estavam a ter a possibilidade de fazer a higiene normal”,
diz-nos em conversa telefónica a partir de Luanda.
A sobrelotação
das prisões angolanas é o grande problema, diz a especialista. Na última
década, a população prisional tem crescido sem cessar, tendo passado de cerca
de 4000 em 2001 para mais de 21 mil em 2013. Nesse ano, a taxa de ocupação era
superior a 166% e Silveira garante que este valor é hoje seguramente mais
elevado (em Portugal, por exemplo, esta taxa é de quase 112%, segundo o World
Prison Brief, um think tank especializado em prisões).
Em prisões
sobrelotadas, os motins tornaram-se comuns. Em 2007, um motim na Cadeia Central
de Luanda provocou três dezenas de mortos. O site Maka Angola, gerido pelo
jornalista e activista Rafael Marques, referia que em 2013 houve sete episódios
de violência nos estabelecimentos prisionais. O próprio Governo reconheceu este
problema e, nos últimos anos, construiu mais de uma dezena de novas prisões,
incluindo a de Calomboloca, inaugurada há menos de três anos.
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