Eva Gaspar |
egaspar@negocios.pt, Paulo Zacarias Gomes | paulozgomes@negocios.pt | 07 Abril
Com o pedido
formalizado nesta semana, abre-se mais um capítulo de uma relação já longa e frequentemente
tensa entre Luanda e Washington.
O pedido de
programa de assistência económica e financeira de Angola ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) surge sete anos depois de se ter acordado o anterior
resgate e numa altura em que Luanda ainda tem por pagar cerca de 180 milhões de
euros dos cerca de 1,1 mil milhões de euros (à cotação actual) pedidos, em
2009, à comunidade internacional.
Em Novembro desse
ano, tal como agora, a queda do preço do petróleo foi a causa próxima do pedido
de empréstimos ao FMI. No "acordo de stand-by" de 2009 ficaram
prometidos 1,4 mil milhões de dólares destinado a apoiar a balança de
pagamentos do país. O programa vigorou ao longo de 27 meses, tendo terminado em
30 de Fevereiro de 2012. Nas contas do FMI falta ainda a Angola pagar o
equivalente a 183 milhões de euros, sendo que a maior fatia da amortização
remanescente, cerca de 125 milhões de euros, estava precisamente agendada para
este ano.
Com o pedido de
novo resgate formalizado nesta semana, abre-se mais um capítulo de uma relação
já longa e frequentemente tensa entre Luanda e Washington.
Angola é membro do FMI desde Setembro de 1989,
dois meses antes da queda do muro de Berlim. De 1995 até 2001, houve pelo menos
quatro programas de assistência técnica negociados entre o FMI e o Governo
angolano, sendo que três chegaram a ser formalmente iniciados. Estes programas
duram normalmente seis meses, podendo ser renovados, e visam a realização de um
conjunto de reformas económicas e testar a capacidade e disponibilidade de
resposta dos governos. Quando são positivamente avaliados, servem de precursores
para empréstimos formais do FMI e para empréstimos do Banco Mundial em
condições mais favoráveis.
Os sucessivos
episódios de aproximação de Angola ao FMI foram sempre motivados por graves
dificuldades económicas, que invariavelmente passavam por forte desvalorização
da sua moeda e por hiperinflação. Essa conjuntura, num país recentemente
pacificado, repetiu-se em 2001 e 2004. Mas sempre que o preço do petróleo e as
receitas da venda de diamantes subiam, Angola virava as costas ao Fundo, que
nunca chegou a confiar fundos dos seus accionistas a Luanda. Faltaram sempre
garantias de maior transparência e dados minimamente fidedignos sobre as contas
do país, em particular sobre as receitas, e respectiva aplicação, da exploração
dos recursos petrolíferos.
As relações entre
Angola e o FMI estiveram, assim, durante largos anos, praticamente congeladas.
A partir de 2008, porém, as duas partes aceitaram retomar a cooperação, depois
de Luanda ter, nesse mesmo ano, normalizado a ligação ao Clube de Paris com garantias
de pagamento da dívida. Recorda a agência Lusa que esse passo foi fundamental
para que, em Novembro de 2009, pudesse ser assinado o primeiro programa em que
a assistência técnica dos economistas de Washington era acompanhada de recursos
financeiros do próprio FMI – no mais avultado empréstimo concedido pelo Fundo a
um país africano.
Escreve ainda a
Lusa que um dos compromissos então assumidos por Angola passou por liquidar até
Maio de 2012 todas as dívidas existentes junto de empreiteiras brasileiras, portuguesas
e angolanas referente aos anos 2008 e 2009, estimadas na altura em 5,7 mil
milhões de dólares – um precedente que, a repetir-se, pode significar boas
notícias para as empresas a quem o Estado angolano não tem pago.
A conclusão desse
programa não foi pacífica porque as contas das receitas petrolíferas não batiam
– nem nunca bateram – certo. Entre 2007 e 2010, a discrepância nas receitas
petrolíferas ascendia a 31,4 mil milhões de dólares.
No final, o FMI acabou por
anunciar que Angola tinha conseguido justificar o paradeiro de 27,2 mil milhões
de dólares, mas ficaram por explicar onde se encontravam outros 4,2 mil
milhões. A explicação adiantada por Angola foi que a discrepância se deveu a um
registo insuficiente de despesas efectuadas pela petrolífera Sonangol, em nome
do Estado, nos sectores da habitação, vias de transporte ferroviário e outras
infra-estruturas. "O valor em causa representava cerca de 25% do Produto
Interno Bruto de Angola em 2011, e algumas organizações de defesa dos direitos
humanos, designadamente a Human Rights Watch, exigiram explicações cabais ao
governo", relembra a Lusa.
Não obstante os
percalços, o acordo de 'stand by' de 2009 viria a ser considerado concluído no
primeiro semestre de 2012 com o desembolso pelo FMI da última parcela - 132,9
milhões de dólares. E, no final desse programa, em Maio de 2012, o balanço era
positivo. "Três anos após a repentina queda dos preços mundiais do
petróleo, o que afectou severamente a economia angolana, o país conseguiu
alcançar: uma posição fiscal melhorada, um nível mais confortável de reservas
internacionais, uma taxa de câmbio estável e uma taxa de inflação mais
reduzida. Além disso, os atrasos de pagamento internos foram regularizados.
Registou-se também uma melhoria significativa na transparência fiscal e na
prestação de contas", resumia o FMI, na sua avaliação pós-programa, na
qual sublinhava a necessidade de Angola "sustentar o ímpeto das reformas,
continuar a melhorar a governança, a transparência e a fortalecer o ambiente de
negócios, a fim de assentar as bases para a diversificação da economia e o
crescimento inclusivo".
Chegados ao final
de 2015, três anos depois, o diagnóstico voltava, porém, a ser claramente
reservado. O FMI descrevia um quadro "complexo", onde persistem
"défices significativos de infra-estruturas e capital humano" não
obstante o Plano Nacional de Desenvolvimento anunciado em 2012, que, afinal,
terá sido essencialmente canalisado para o investimento imobiliário
residencial, sobretudo em Luanda, uma das cidades mais caras do mundo.
As receitas do
petróleo apoiaram "um forte crescimento na última década, mas também
tornaram o país vulnerável à volatilidade das receitas do petróleo"; um
país onde foram "realizados progressos na redução das taxas de pobreza de
54% em 2000 para 43% em 2008, mas a desigualdade aumentou". No final de
2015 a inflação elevava-se a 14%, o défice orçamental estaria em torno de 5%, e
a projecção para a dívida pública revelava um "aumento expressivo",
para 57,4% do PIB até ao final de 2015, dos quais 14,7% do PIB correspondem à
empresa estatal de petróleo, a Sonangol. "É provável que em 2016 a
conjuntura económica continue a apresentar desafios, pois não se espera que os
preços internacionais do petróleo recuperem e os riscos são negativos",
avisava o Fundo no final do ano passado. Esta semana, Luanda resolveu
enviar novo "SOS" a Washington.
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