- Reginaldo Silva
Março 2016
Luanda - A
decisão tomada pelo Presidente José Eduardo dos Santos (JES) de abandonar a
vida política activa em 2018, marca, finalmente, o inicio de um processo de
transição do poder em Angola cujos contornos e consequências ainda se adivinham
nebulosos e contraditórios quanto ao “modelo” que vai ser seguido até lá.
Fonte: RA
Até que, da sua
pessoa só venha a rezar a história deste país com toda a relevância que ele
merece.
Estamos a falar
de um país cujos destinos políticos ele dirige desde Setembro de 1979, o que
faz de Eduardo dos Santos nesta altura em África, ao lado do seu homólogo da
Guiné Equatorial, um dos “dois kotas mais antigos do conjunto”.
Um “conjunto”
que, devido a sua longevidade, está cada vez mais tremido na fotografia global,
por mais que alguns dos seus incondicionais apoiantes se esforcem por nos
convencer que ele por ser o “melhor e o único” tem de continuar e pronto… não
se fala mais no assunto, até um dia destes.
Não é, pelos vistos,
o que o próprio pensa do assunto, depois de ter feito o anúncio que fez, tendo
deste modo recuperado a iniciativa estratégica da última batalha que ainda não
venceu e que é a da sua própria sucessão.
A certa altura
vaticinamos que o Presidente angolano corria o sério risco de perder esta
última batalha, em virtude de não lhe estar a dar a necessária importância,
pelo que a qualquer altura poderia ser surpreendido por alguma fatalidade que,
nesta altura do campeonato, pode acontecer subitamente a qualquer um dos
“players” que esteja no terreno da vida.
Para nós, o
destaque da decisão anunciada pelo Presidente Eduardo dos Santos sexta-feira
última (11/03) diante do Comité Central do “seu” MPLA vai pois para esta
vertente, independentemente do que venha a acontecer daqui para frente.
Para além de JES
ter finalmente prestado a devida importância ao assunto e no seu próprio
interesse, considerando que será ele a conduzir um processo faseado, o país
também precisava de saber urgentemente mais qualquer coisa de definitivo em
relação ao seu futuro com ou sem a sua presença/liderança.
Até lá, tudo
ainda é possível em matéria de timings, incluindo o adiamento “sine die” do
prazo limite assumido já como decisão pessoal.
O que é certo,
porém, é que o “espaço de manobra” do Presidente angolano está no limite, pelo
que só mesmo razões muito ponderosas poderão agora ser esgrimidas para dar o
dito pelo não dito, voltando com a palavra atrás.
Já lá chegaremos.
Antes de mais,
somos das pessoas que, sinceramente, não se vê qualquer necessidade de JES
“manobrar” seja o que for com este passo dado em direcção ao dia e ao ano em
que ele deixará de contar como um “activo político” deste país para passar para
o “back office”, com uma agenda que não se adivinha muito diferente de todos
quantos nas suas condições já passaram à reforma por este mundo afora.
No caso concreto
é, contudo, fácil de perceber que é este “day after”, já sem poder efectivo,
que mais preocupa o “nosso” candidato à reforma, considerando as
características muito próprias do actual regime angolano, que gravita à volta
sua pessoa.
Em Angola, o
poder político e o económico estão de tal forma entrelaçados e dependentes que
já faz algum sentido falar-se da existência entre nós, e com alguma ironia, de
um “leninismo de direita”, tendo em conta o nosso passado socializante e o
contexto actual de uma economia de mercado em que o país se está a tentar
movimentar, com todos os problemas que se (des)conhecem.
Ao nível do MPLA
e como candidato à sua liderança ao próximo Congresso convocado para Agosto
deste ano, JES, sem nenhum concorrente interno à vista, continua a ser a aposta
solitária do Comité Central (CC), já reafirmada no comunicado final da recente
reunião.
Trata-se de um
encontro que vai ficar, certamente, na nossa história como mais um marco,
embora nesta altura ainda não se tenha a certeza do “sabor” mais definitivo,
com que o mesmo será grafado em termos de posteridade.
No que à
Presidência da República/ Poder Executivo diz respeito, Dos Santos, como se
sabe, também poderá voltar a candidatar-se a um segundo mandato em 2017, sem
ter necessidade de fazer qualquer revisão constitucional mais circunstancial, o
que já foi conseguido anteriormente por força de um controverso acórdão do
Tribunal Supremo.
Assim sendo, tudo
continua a depender exclusivamente da sua vontade, com todo o apoio que tem das
suas poderosas falanges visíveis e invisíveis, cuja capacidade para já parece
ser suficiente para fazer abortar em Angola qualquer processo de contestação
mais pública, à semelhança do que tem acontecido noutros países africanos.
É diante desta
realidade que efectivamente, caso queira continuar no poder até 2022, se,
obviamente, vencer as próximas eleições, não vemos necessidade de JES utilizar
este tipo de estratagema apenas para desviar as atenções dos problemas
fundamentais ou para melhorar a sua quota de popularidade.
Acreditamos que
esta quota esteja a conhecer nesta altura um dos seus piores níveis, por todas
as conhecidas dificuldades conjunturais que se estarão a agravar a cada dia que
passa.
Nestas contas, a
principal razão mais ponderosa que, eventualmente, poderá fazer dilatar o prazo
de 2018 no novo calendário de JES, está relacionado com a não realização das
eleições em 2017, ou com a eclosão de alguma crise pós-eleitoral mais aguda e
prolongada.
Esta crise seria
consequência da não aceitação dos seus resultados pela Oposição, que é um dos
cenários possíveis, que já se está a desenhar, com todas as desconfianças,
suspeitas e denuncias que estão a marcar o processo preparatório que vai
arrancar brevemente com a realização de mais uma operação de registo eleitoral
à escala nacional.
Se retirarmos
todos estes imprevisíveis da agenda, teremos ainda que aguardar pela
deliberação que o Comité Central tomará quanto à indicação dos nomes dos
candidatos do MPLA à presidência e a vice-presidência para as eleições do
próximo ano.
Até lá, há dois
cenários possíveis, sendo já certo que JES vai continuar a liderar o MPLA
depois do Congresso de Agosto.
JES é nomeado
pelo CC como candidato e concorre às eleições. Fica por saber se Manuel Vicente
será ou não reconduzido como segundo nome da lista dos deputados, que é nesta
altura uma incógnita ainda mais difícil de decifrar.
Se JES ganhar as
eleições, para cumprir com a sua decisão relativa a 2018, teria depois de
resignar a presidência por renuncia ao mandato, ao abrigo do artigo 116 da
Constituição da República de Angola.
A confirmar-se
esta renúncia, fica por saber se ela será depois extensiva à liderança do
Partido.
Como segundo
cenário, JES não seria indicado pelo CC como candidato do MPLA às próximas
eleições gerais, mantendo-se assim até 2018 no activo apenas como dirigente
partidário, ficando aqui por saber como seria feito o render da guarda no seio
da organização que lidera.
No fim, mais
importante do que os cenários e especulações que todos estamos a arriscar, é
que o processo de transição tenha tido inicio, depois de no ano passado JES ter
pedido formalmente aos seus correligionários para reflectirem seriamente sobre
o mesmo.
Terminou o
período de reflexão.