30 março 2016
Lisboa - Rafael
Marques está habituado a ir aos tribunais por causa das suas investigações
jornalísticas. Mas recebeu com surpresa a notícia de que, na segunda-feira, os
17 activistas angolanos tinham sido condenados por crimes de “actos
preparatórios de rebelião e associação de malfeitores” com penas de prisão
efectiva que variam entre os dois e os oito anos.
Fonte: Publico
“Conhecendo bem o
poder ditatorial, esperava-se que os jovens fossem condenados, que as penas
permitissem a sua liberdade condicional e que o caso fosse remetido para o
Tribunal Supremo para decidir o veredicto desta palhaçada, dando a ideia de
que, quando os tribunais falham, o Supremo corrige a situação” e o poder
judicial funciona, disse em entrevista ao PÚBLICO por telefone o também
activista de direitos humanos.
Marques foi, ele
próprio, condenado em Maio a seis meses de prisão, com pena suspensa, por
denúncia caluniosa em sequência do seu livro Diamantes de Sangue – Corrupção e
Tortura em Angola (Tinta-da-China), em 2011 (recorreu da decisão). “É assim que
o regime tem dado a ideia de autonomia do poder judicial. Esta decisão revela
desespero de José Eduardo dos Santos, que se tornou o inimigo comum de praticamente
todo o povo angolano.”
O jornalista
lembra que os jovens, incluindo Luaty Beirão – que esteve 36 dias em greve de
fome, chamando a atenção internacional para o caso – foram os primeiros a
organizar manifestações a pedir a demissão do presidente em 2011 e têm sido
consistentes no seu activismo. O facto de terem sido presos “permitiu ao
Presidente vir a público anunciar [no dia 11 de Março] que se iria reformar”, e
com isso “parecer" que está a ter um acto de "estadista a abandonar o
poder pelo seu pé” e “não um indivíduo que é afastado por causa da vontade da
maioria dos angolanos”, analisa.
Para Rafael
Marques, o general José Maria, chefe dos serviços secretos militares, é o
“principal arquitecto desta operação”. Com os activistas na prisão, garante-se
"que até às eleições gerais de 2017 não haja mais oposição na rua” até
porque a esta altura os activistas já poderiam mobilizar "muitos mais
seguidores” se estivessem a protestar.
Os activistas
receberam penas diferentes: Domingos da Cruz, autor do livro/brochura
Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura. Filosofia Política
da Libertação para Angola, que estava a ser discutido quando eles foram presos
a 20 de Junho, e considerado o líder do grupo, foi condenado a oito anos e seis
meses de prisão. Luaty Beirão foi condenado a cinco anos e seis meses. Nuno
Dala, em greve de fome desde 10 de Março e em observação no hospital-prisão de
São Paulo, Sedrick de Carvalho, Nito Alves, Inocêncio de Brito, Laurinda
Gouveia, Fernando António Tomás “Nicola”, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo
Caholo, Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Nelson Dibango, Hitler
Samussuku e José Gomes Hata foram condenados a quatro anos e seis meses de
prisão. Rosa Conde e Jeremias Benedito foram condenados a dois anos e três
meses de prisão. Um outro activista, Francisco Gomes Mapanda, conhecido por
“Dago Nível”, protestou contra a sentença no tribunal, disse em voz alta “este
julgamento é uma palhaçada” e foi condenado a oito meses prisão por crime de
desacato (esta foi a frase que disse Nito Alves e que o levou a condenação a
seis meses de prisão por crime de injúria contra o tribunal antes desta
sentença). Os advogados vão recorrer da decisão. Segundo disseram à Lusa os
advogados os activistas foram distribuídos por várias prisões em Luanda.
Para Rafael
Marques estas condenações podem ter um custo para o regime mas nunca será tão
grande quanto as eventuais manifestações e a onda de contestações que poderia
acontecer em vésperas de eleições, no caso de eles estarem em liberdade. As
penas pesadas serviram para garantir que os “revus”, como são chamados, se
calam e que a oposição é silenciada. Agora, todos “estamos a fazer comunicados
contra a injustiça e o Presidente continua na mó de cima” quando “quem condenou
estes jovens foi José Eduardo dos Santos”, acusa.
Questionado sobre
se a decisão intimida, avisa: “Não tenho medo deste regime, nunca tive. Este
tipo de acções só reforça a necessidade de intervenção. Não me calam, dão-me
mais força para lutar pelos jovens que conheço e tudo farei para continuar a
luta deles. Não estamos a funcionar numa democracia normal onde cada um está no
seu emprego e a exercer a sua função sem necessidade de receios. Eu como
jornalista tenho mesmo que ser activista para defender a minha liberdade de
expressão porque estamos numa ditadura.”
E critica o
primeiro-ministro António Costa por receber a filha do presidente, Isabel dos
Santos, que acusa de ser “uma ladra”, e com isso mostrar que nada vai mudar nas
relações políticas entre os dois países – Costa recebeu a empresária por causa
das suas negociações com o espanhol CaixaBank sobre o BPI, do qual é a segunda
maior accionista. “O Governo português, independentemente dos partidos, é
solidário com os poderes económicos angolanos e com o regime instalado”, acusa.
A onda de solidariedade é entre os portugueses e os angolanos, diz.
Na segunda-feira,
o Governo português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviou
uma breve nota onde expressa uma posição cautelosa sobre o tema: tem
acompanhado o processo “pelos canais diplomáticos adequados” dos 17 “cidadãos
angolanos” e tomou “boa nota da comunicação, pela defesa, da intenção de
interpor recurso judicial em face da gravidade e dimensão das penas decididas
pelo tribunal de primeira instância”.
Acrescentou que
“confia” que "a tramitação do processo obedeça aos princípios fundadores
do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às
autoridades constituídas” – posição com a qual o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa disse concordar. “Num Estado de direito democrático
deve haver uma tramitação, isto é um decurso normal dos processos
judiciais"”, afirmou aos jornalistas no final de uma visita ao Hospital de
Vila Franca de Xira.
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