Rui Verde, doutor
em Direito, 29 de Março de 2016
Um funcionário do
Estado, da ditadura, mandou na passada segunda-feira, dia 28 de Março, um
punhado de jovens para a prisão. Não podemos chamar juiz ao senhor Januário
Domingos, que apareceu na televisão a ler de forma atabalhoada um papel, pois
um juiz nunca condenaria alguém ao arrepio das garantias constitucionais de um
processo justo.
Isto é, nenhum
juiz admitiria realizar todo um julgamento a partir de uma determinada acusação
e, no fim, condenar por outra acusação. Imaginemos, em linguagem desportiva,
que uma pessoa vem acusada a tribunal por ser do Sporting. A pessoa defende-se
e prova que não é do Sporting. E depois, no fim, é condenada por ser do
Benfica! Foi isto que se passou no julgamento dos 17.
Invoque-se o
artigo 72.º da CRA, que determina para todos os indivíduos um julgamento justo,
matéria que é definida nos termos do artigo 26.º, n.º 2 da mesma CRA, entre
outros, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aí se afirma, nos
artigos 10.º e 11.º, que qualquer pessoa tem direito a defender-se das
acusações, sabendo que acusações são essas no início do julgamento, não no fim.
Note-se que mesmo
o Código de Processo Penal em vigor em Angola (ironicamente, o Código português
do tempo colonial ditatorial), no seu artigo 447.º, só admite a convolação da
acusação para infracção diversa, em casos muito estritos e sempre e só assente
nos factos expressamente contidos na pronúncia.
Face ao que se passou
e ao clamor gerado por tanto disparate ocorrido numa suposta sala de
audiências, onde não faltou o picaresco da procuradora Tapacara, quem acaba
condenado é José Eduardo dos Santos. Este é o homem que ficará aprisionado no
seu Palácio até à interrupção ou ao fim do seu triste mandato. O povo não está
com JES.
O presidente
angolano demonstrou ao mundo que Angola não é uma democracia e que ele é um
ditador. Isto não são palavras de ocasião. Uma democracia resulta de dois
aspectos essenciais: eleições livres e periódicas, e um poder judicial
independente e imparcial. Sem juízes independentes não há democracia, há
somente um poder político que se submete a eleições, as quais, por não haver
juízes independentes, nem sabemos se são realmente livres.
Repetindo: sem
juízes independentes, não há democracia.
Este foi o grande
julgamento que ocorreu. O julgamento de José Eduardo dos Santos e do seu
regime, e o veredicto é demolidor. Não houve um único juiz independente. Não há
justiça independente. Não há democracia em Angola.
Portanto, José Eduardo dos
Santos fica doravante prisioneiro das suas acções e condenado a ser mais um
ditador africano que envergonha este continente.
O problema é que
este não é um caso isolado. No último ano têm-se sucedido casos judiciais em
que o papel da justiça ordinária tem sido confrangedor: Lídia Amões, José
Mavungo, Rafael Marques, entre outros, são exemplos de actuações judiciais
contrárias à lei e à Constituição (isto mesmo confirmado pelo Tribunal
Constitucional), demonstrando que a magistratura judicial angolana está
dependente do poder presidencial e não se atreve a desempenhar o seu papel
jurídico-político.
Os 17 condenados
demonstram ao mundo, com a sua detenção, que não há democracia em Angola. E a
questão não se assume somente humanitária, mas também económica e financeira.
Quem vai negociar com JES e a sua família, sabendo que estes são meros
ditadores aprisionados pelo seu povo, e que a qualquer momento pode rebentar
uma revolta grave? Um regime que esmaga com mão-de-ferro os seus adversários é
um regime que tem medo, medo do povo.
Por isso, o
funcionário do Estado que mandou os 17 para a prisão colocou, com esse acto,
mais pregos no caixão do regime.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire